Aviso que foi através de Steven Spielberg que eu comecei a gostar de cinema. O talento do diretor de conduzir belas e emocionantes aventuras, me fez ter a curiosidade necessária para embarcar nesse mundo tão complexo, mágico, impactante, trágico, sutil e épico que é o cinema. Aviso isso porque eu acabo sendo suspeito para falar do novo filme de Spielberg. Mas juro fazer o melhor e o mais justo juízo da nova obra do diretor, só achei de bom tom, avisar antes o significado que ele tem para este crítico que vos escreve.
Para falar deste filme, temos que discutir antes o fator "clichê". O Clichê é algo que normalmente se evita nos filmes e mesmo assim eles aparecem bastante e quase sempre subtraem pontos das produções. Porém, é fato que alguns bons contadores de estórias sabem usar muito bem os clichês em seus filmes, sabendo dar a eles novas roupagens que fazem valer a pena seu uso. James Cameron, por exemplo, não é nenhum gênio como roteirista, mas ainda sim sabe contar estórias que já vimos tantas vezes ao mesmo tempo em que capta a atenção e a emoção do espectador de uma maneira incrível. Seja na história de amor batida, mas muito bem contada em Titanic, ou na trama previsível, porém, emocionante de Avatar. Assim chegamos a Steven Spielberg que possuí vários clássicos modernos na sua filmografia. Filmes icônicos em vários sentidos que marcaram e marcam ainda hoje a vida de muitas pessoas. É verdade que Spielberg sabe lidar muito bem com clichês também, sabendo tornar os seus filmes onde eles aparecem muito cativantes. Porém, ainda que essa característica apareça bastante aqui e que o filme possua aspirações épicas muito bem conduzidas pelo diretor, é com um peso no meu coração que admito que Cavalo de Guerra é um filme que fará apenas os mais distraídos espectadores atingirem algum grau de comoção, pois aqueles que realmente olharem o filme, verão que sua carga dramática é rasa e sem motivo. Não é a primeira vez que este que figura como um dos meus diretores favoritos erra, mas espero profundamente que seja a última.
A trama nos conta a estória do fazendeiro Ted Narracot (Peter Mullan) que em um ato impulsivo acaba comprando um cavalo inadequado para a fazenda alugada onde vive com a mulher Rose (Emily Watson) e o filho Albert (Jeremy Irvine). O menino e o animal logo estabelecem uma conexão única, porém, chega a 1ª Guerra Mundial e Joey, nome dado por Albert ao cavalo, é levado para servir as tropas Britânicas em batalha. Assim começa uma longa jornada onde acompanharemos os caminhos de Joey e Albert e os desafios que ambos enfrentarão para se reencontrarem.
Uma das falhas iniciais do filme é a escolha do jovem ator Irvine para interpretar o protagonista da ala humana. O garoto arregala os olhos nos momentos iniciais da projeção e parece esquecer-se de fazer outra expressão durante as outras duas horas e meia de filme. Não que o roteiro falho (discutirei mais adiante) de Richard Curtis e Lee Hall entregue ao ator um personagem complexo e cheio de facetas. Pelo contrário, as ações e os diálogos de Albert mantêm uma linha firme e imutável até o fim do filme. O garoto não evoluí como personagem, nem diante dos conflitos mais extremos Albert deixa de ser o bravo e bondoso garoto em busca de seu cavalo. Assim, Irvine acaba mesmo tendo pouco com o que trabalhar, o que em momento algum desculpa ou justifica sua péssima performance. Já o resto do elenco (quase todo britânico) consegue manter seus personagens ao menos críveis. Mesmo que o roteiro também não seja bom com eles e mantenha a linha de criação de personagens unidimensionais. Estereótipos que causam fácil identificação para com o público, algo que pode ser encarado como ponto a favor de um filme, aqui perde o sentido ao vermos Spielberg investindo tanto tempo em tela em absurdos apelativos em vez de aprofundar as relações humanas, coisa que surtiria o efeito que o diretor obviamente desejava (fazer o espectador chorar), certamente de maneira mais eficaz.
Assim Emily Watson, talentosa, se redime ao papel da dona de casa forte, esperançosa e destemida. Peter Mullan encarna o pai problemático (figura que é uma constante nos filmes do diretor) e depressivo. Já David Thewlis vive um pequeno vilão, um dono de terras impiedoso que pouco tem a fazer que se não movimentar a primeira meia hora de filme. E não desmerecendo nenhum deles enquanto atores, só como personagens, pois os profissionais fazem o melhor que podem aqui por eles. E enfim, pouco tem a se dizer do resto do elenco que praticamente é um desfile de personagens que entram e saem de cena sem nos dar tempo ou motivos suficientes para que nos importemos com eles. Entre eles o garoto (este sim bom ator e novamente vivendo um garoto alemão em meio à guerra) David kross, o carismático Tom Hiddleston (o Loki de Thor) e Niels Arestrup.
O grande problema do filme é sua falta de carga dramática, pois nunca chegamos a nos envolver com as figuras que povoam essa estória de uma maneira que seus destinos nos sejam muito importantes. Um grave erro, pois se vê claramente que é o ponto aonde Spielberg queria chegar, era exatamente no clímax de cada estória de cada personagem. Mas infelizmente o diretor falha miseravelmente em nos emocionar. Como chorar pela notícia que o personagem de Arestrup conta a Albert no final do filme, se nem havíamos conhecido direito o personagem pelo qual o diretor praticamente exige que choremos? Ou como ficar tocado com o inevitável reencontro dos dois amigos, humano e cavalo mais ao final (não é spoiler, é Spielberg, todos sabem que vai terminar bem) se nenhum dos dois parece enfrentar um real desafio durante toda a projeção? E nem teria como, pois sabemos que o filme é sobre Joey e que qualquer um pode se dar mal, menos ele. Ainda sim, Curtis e Hall insistem em perder minutos preciosos em tela empurrando goela abaixo obstáculos que são facilmente superados por Joey. Como por exemplo, a descarada sequência do tanque que avança sobre o cavalo em um beco sem saída, onde Spielberg investe um tempo incrível no suspense sobre o que irá acontecer a seguir, só para o animal simplesmente pular por cima do veículo no ultimo instante.
E isso acaba sim atrapalhando o que poderia ser um filme muito melhor. Afinal o diretor tem o potencial e todos sabem disso, na verdade, fica claro seu dom de conduzir um filme de maneira cativante em suas grandiosas e impactantes sequências. Adotando ao máximo aqui a filosofia de que não é preciso mostrar para chocar e ao lado de seu velho companheiro Janusz Kaminski na direção de fotografia, o realizador e seu fotógrafo criam planos e sequências belíssimas. Destaque para o ataque britânico contra um acampamento alemão no começo do filme onde a cavalaria dos primeiros avança sobre metralhadoras impassíveis dos últimos chegando a um resultado obvio e trágico, mas que o diretor prefere mostrar de forma apenas sugestiva ao intercalar planos dos exércitos a cavalo avançando com espadas em riste, com um das pontas dos canos das metralhadoras em pleno funcionamento e com mais um dos cavalos já sem cavaleiros passando pelas metralhadoras, indicando o óbvio. Assim também se saem bem em planos como o do moinho, o de dezenas de cavaleiros cortando um campo de trigo ou cavalgando ao pôr-do-sol, e por fim, a grandiosa sequência onde Joey foge por entre as trincheiras em meio ao ápice de uma batalha.
Kaminski usa de palhetas quentes para criar momentos fotograficamente belíssimos embora seja um tanto repreensível o exagero na cor avermelhada usada sobre a personagem de Emily Watson nos minutos finais, que acaba resultando em um plano mais do que artificial em contra pronto com aqueles com silhuetas da família Narracot toda reunida. O fotógrafo também é muito bem sucedido ao enfocar as batalhas onde a mão de Spielberg é sentida em seus conhecidos travelings épicos que enfocam todo um cenário grandiosamente destruído pela guerra. Aliás, nos quesitos técnicos o filme está de parabéns. Direção de arte, figurinos, maquiagem e principalmente os efeitos visuais, um Joey feito por computação gráfica em um momento em que obviamente não se usou um cavalo de verdade, vai com certeza enganar os mais desatentos.
Já a montagem de Michael Kahn tem altos e baixos. Se há destaques para detalhes como a transição de um tricô para um campo não arado das terras dos Narracot belissimamente executado, e para sequência de rostos de soldados nas trincheiras que acabam revelando afinal a presença de Albert na guerra, há também erros a serem apontados na condução geral que não consegue evitar a sensação de capítulos dentro da trama. Nos levando de acontecimento a acontecimento sem nenhuma fluidez, destruindo os arcos criados em um para começar outros totalmente novos em seguida, a construção do longa não possuí uma unidade que prenda o espectador. Seus (longos) minutos finais por exemplo parecem ter sido postos ali por obrigação, pois além de quebrar o ritmo (esse sim competente, já comento) de término do filme, também não faz nenhum sentido que não seja o de Spielberg praticamente implorar por lágrimas de seu público. Não parece o mesmo diretor que soube introduzir de forma tão orgânica o discurso de seu protagonista ao final de A Lista de Schindler. Porém, há de se admitir o tom em crescente muito bem administrado que só é quebrado com esta sequência recém comentada ao final. É nesse clima de constante expansão da urgência que vemos que, sim, estes são os mesmos, diretor e o montador de Jurassic Park, que apoiava seu ritmo quase que totalmente nesta estratégia, até a chegada do clímax grandioso. Mas isso também muito se deve a trilha do mestre John Williams que se por um lado não "cala a boca" e insiste em pontuar cada segundo do filme, por outro, é bela e muito adequada ao projeto. Sim, há mais um tema que pode colar na sua boca, não que seja um dos seus melhores (nem perto), mas o compositor mostra que mesmo depois de tantos trabalhos elogiáveis ao lado de Spielberg, ele ainda tem, mesmo para o mais indiferente filme de seu fiel companheiro, uma composiçãozinha guardada na manga.
Spielberg ainda é Spielberg, talentoso e confiante, seu Cavalo de Guerra é apesar de tudo um filme belo e tocante, ainda que muito raso (principalmente para um filme de duas horas e meia), mas muito por que sabemos que ele é um diretor sentimental e sabemos do que ele é capaz. E talvez por isso fiquemos esperando algo a mais quando ele entrega seja o que for. Infelizmente suas pieguices quase sempre perdoáveis, aqui são aparentes e desnecessárias demais. Um filme bem conduzido e dirigido que não possuí o embasamento necessário para fazer seu público ir as lágrimas como parece ser o objetivo claro do longa. Esperemos por Tintin.
NOTA: 6/10