sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O LOBO DE WALL STREET




Sexo, drogas, DINHEIRO e Rock and Roll!

     Com quarenta e tantos anos de carreira, Martin Scorsese não precisa mais pedir licença para entrar em nossas rotinas cinematográficas e nos agraciar com mais uma obra irretocável. Ao contrário de seus colegas que deslancharam mais ou menos na mesma época, como Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, George Lucas e Ridley Scott, o cineasta exibe até hoje uma filmografia quase que imaculada, com raríssimos tropeços e que, ainda diferentemente destes outros, não tem se entregue cada vez mais à caduquice e a imbecilidades inexplicáveis. Retomando um estilo de narrativa que não adotava desde os excepcionais Cassino e Os Bons Companheiros, o diretor intercala em O Lobo de Wall Street um ritmo acelerado, sempre acompanhado da narração de seu protagonista, com longas sequências de diálogos muitas vezes inusitados e não menos interessantes. Isso quando não resolve juntar ambas as abordagens em uma só cena, rendendo momentos memoráveis como aquele em que o tal Lobo do título ensina a seus pupilos como ganhar um cliente por telefone, paralelamente a uma imitação hilária de um coito. Um cena que, aliás, sintetiza o espírito e a abordagem do longa, que ao expor aquelas figuras repreensíveis no cerne de suas deturpações de caráter, nos leva a rir pelo absurdo, mas um riso cheio de críticas e reprovações, despido de qualquer traço de admiração que alguém com uma índole tão canalha quanto a dos personagens aqui vistos, poderia ter em relação aos feitos dos mesmos.


     Constantemente quebrando a quarta parede e dirigindo-se diretamente ao espectador, esta versão cinematográfica do milionário Jordan Belfort - cujo livro autobiográfico originou este filme, aliás - começa já nos colocando em seu ponto de vista ao mudar subitamente a cor de um carro apenas por sua vontade de narrador, dando início a sua história afirmando que estava furioso por não ganhar "3 milhões por semana", e listando todos os tipos de drogas que usava e suas funções em seu dia-a-dia: "e uso morfina, bom,  porque é demais!". Desta maneira, Scorsese não cai no clichê de apresentar uma figura tão distorcida de maneira trágica ou tentando amenizar os seus crimes de maneira a humanizá-lo. Não, o diretor faz de Belfort a caricatura necessária para entendermos sua quase demência por dinheiro, e novamente, nosso protagonista não é um ser para se admirar, embora divertido e carismático, o realizador jamais deixa que nos esqueçamos que Jordan é um maníaco, ilustrando isso ocasionalmente quando aborda de forma séria a tentativa deste de raptar a própria filha, ou ao enfocar uma funcionária quase careca e humilhada em meio aos festejos selvagens promovidos pelo patrão, e também ao retratar sua completa incapacidade de perceber a frieza e ódio na postura indiferente de sua esposa durante uma transa.


     Dito isso, e posto que tipo de monstros são muitos dos personagens vistos aqui, é inegável que, sem nunca ignorar este plano de fundo sério e preocupante, o filme nos traga quase três horas de divertimento puro, sempre usando das falhas de caráter de suas figuras para nos fazer rir. Se gargalhamos, gargalhamos da imbecilidade daquele grupo de homens misóginos, corruptos e gananciosos. Em um diálogo que têm sobre anões, por exemplo, o hilário é constatar a ignorância de Jordan e Donnie (Jonah Hill) sobre este tipo de pessoas, ao passo em que qualquer cineasta mais obtuso ou um "comediante" metido a inteligente (cof cof... Danilo Gentilli), não exitaria em fazer dos anões em si, o alvo da piada na cena; esta que, aliás, conta até mesmo com uma apropriadíssima citação a Freaks.


     Porém, Scorsese não ganha todos os créditos sozinho pelo sucesso de O Lobo de Wall Street, já que, não fosse a performance surtada de Leonardo DiCaprio, a longa duração do filme seria muito mais sentida. E é muito prazeroso constatar que depois de uma década marcada por uma carreira quase impecável, mas quase toda dedicada a personagens trágicos e introspectivos (algo que já havia apontando em minha crítica sobre Django Livre), o ator ainda tenha novas e talentosas facetas a mostrar, se saindo um comediante corporal irrepreensível, que não deve em nada aos melhores momentos de atores como Jerry Lewis. E se não pelo resto do filme, DiCaprio merecia o Oscar ao menos por toda a sequência que envolve uma paralisia cerebral (caso você não reconheça, é aquela que te fará fazer xixi nas calças de tanto rir). O que seria uma mentira, ele merece pelo filme todo, principalmente ao investir em um sorriso debochado aliado a um tom complacente toda vez que desiste de explicar suas "complexas" maquinações ao espectador, julgando-o intelectualmente incapaz de entendê-las, uma subestimação que só faz somar o repúdio por seu Jordan Belfort. Enquanto isso, sua parceria com Jonah Hill, tão repugnante e desprezível quanto, deveria ser igualmente reconhecida pela química admirável que exibem; o elenco, aliás, possui escolhas primorosas, os pouco mais de dez minutos em cena de Matthew McConaughey, por exemplo, são marcantes o suficiente para sentirmos sua presença durante o resto do filme como se parte do elenco principal, enquanto Kyle Chandler encara com serenidade a persona incorruptível do Agente Patrick Denham, dividindo com DiCaprio uma complexa disputa intelectual e moral durante certo momento. Mas Scorsese, que já incluiu anteriormente em seus filmes aparições de figuras como David Bowie, Irvin Kershner e até de si mesmo, não deixa também de colocar aqui, vez ou outra, personalidades conhecidas e reconhecidas para viver pontas discretas, assim é possível ver desfilando em tela os diretores Rob Reiner, Spike Jonze e Jon Favreau, e até mesmo o ator francês de O Artista, Jean Dujardin.


     Enfim, é bom ver o cineasta exibindo ainda sua melhor forma tão longe em sua carreira, entregando um projeto admirável atrás do outro, e digo isso considerando também A Invenção de Hugo Cabret, que não julgo perfeito, apesar de um bom filme. Atual, pertinente, tecnicamente irrepreensível, artisticamente admirável e divertidíssimo, além de contar com ótimas escolhas musicais,  O Lobo de Wall Street traz apenas uma decepção: a quase certeza de que Leonardo DiCaprio não vencerá a estatueta de Melhor Ator no próximo dia dois de março, o que é desde já, uma tremenda injustiça.

Sem exageros - o que é no mínimo irônico de se dizer quando se fala do longa em questão - este é mais um novo clássico de Martin Scorsese, para se colocar na lista de obrigatórios do diretor ao lado de Taxi Driver, Touro Indomável, Os Bons Companheiros e Cassino.


NOTA: 10/10



  

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