quarta-feira, 6 de abril de 2016

A SENHORA DA VAN



Filmes com premissas interessantes, vez por outra, cometem o erro de achar que o conteúdo em si será suficiente para sustentar o projeto, esquecendo-se ou negando-se a fazer da forma algo tão cativante quanto. Grandes Olhos, por exemplo, dirigido por Tim Burton, cineasta destacado por sua abordagem singular, dava a uma história real e curiosa contornos aborrecidos de um drama convencional, fracassando como obra. E já dizia o sábio Roger Ebert, não importa sobre o que um filme é, mas como ele é sobre o que ele é. No caso de A Senhora da Van, existe um equilíbrio entre o comum pouco inspirado, e algumas muletas narrativas que, de forma trôpega, acabam funcionando e não deixando que o frescor da “novidade”, aquela senhorinha peculiar do título, se dilua em um projeto esquecível.


Baseado na peça escrita por Alan Bennett, o filme conta a história do mesmo (vivido por Alex Jennings) no período em que permitiu que sua garagem fosse a casa de uma tal Miss Shepherd (Maggie Smith), moradora de rua cujo único bem é uma velha van, dentro da qual habita. O fato, que perdurou por mais de uma década, o leva a escrever uma peça sobre a “amiga” e “vizinha”. Que por sua vez, é a mesma montagem teatral que irá virar o filme que se desenrola na nossa frente, não sendo menos confuso observar que o roteiro desse é escrito pelo próprio Alan Bennett.

Para temperar essa trama ele então cria para si mesmo uma espécie de alter ego, um eu escritor com quem conversa e troca ideias sobre o que está se desenrolando em tela. Ele quer ou não escrever sobre Shepherd? Ele tem ou não uma tendência a escrever sobre mulheres idosas por causa da doença de sua mãe? Ele decide ajudá-la por que está interessado no potencial dramático da “personagem” ou por que realmente se afeiçoa àquela senhora? O eu escritor de Alan está sempre lá para levantar questões para o Alan real, e Jennings faz um bom trabalho diferenciando ambos, mesmo que de forma sutil. Enquanto o primeiro exibe uma certa conformidade e paciência, o outro, parece genuinamente curioso em relação ao que vê pela janela da sala todos os dias, e de outra forma, acostumado a frieza e impessoalidade dos homens que entram e saem de madrugada da sua casa – e a questão da sua homossexualidade serve como bom elemento de aprofundamento, já que, por um lado não toma tempo do objeto principal, surgindo perifericamente, e por outro, ainda denuncia diversas características suas, como a astúcia, a solidão, a carência e a aquiescência, tornando mais fácil entender porque aquele homem tímido, polido e reservado permitiu que tamanha invasão de seu espaço pessoal ocorresse.

Já Smith mergulha com a facilidade habitual nas roupas esfarrapadas e encardidas de Miss Shepherd. Fugindo das composições que a consagraram como a mais respeitada e aclamada atriz da Inglaterra - equivalente de Meryl Streep por lá -, a Dama, a não ser por um único momento específico, se despe das costumeiras posturas imponentes e dicções cortantes que suas “ladys” costumam ter, lembrando em nada sua Violet Crawley de Dowton Abbey ou a Professora McGonagall de Harry Potter, papel que a carimbou no imaginário popular. Suas falas aqui são continuas e um tanto aéreas, seus modos, brutos, e mesmo sua expressão parece não encontrar sempre uma alternativa para a carranca de desaprovação. O que, aliás, faz com que seja percebido de imediato sempre que sente-se feliz com algo, já que nesses raros instantes, não se poupa de exibir um largo sorriso.

É Bennett em pessoa, então, o nome menos elogiável da produção, ainda que, como apontado antes, possua sua parcela de acertos. O autor poderia facilmente, por exemplo, ter limado a participação do personagem do ótimo Jim Broadbent, que por mais que seja sempre um intérprete cativante, vive uma figura tola e contornável, que surge aqui e ali apenas para arruinar o ritmo e o tom da narrativa, prometendo uma ameaça que jamais se concretiza, e servindo afinal para oferecer uma explicação que já seria deduzida de qualquer forma. Do mesmo modo, as intervenções do eu escritor de Alan começam a soar repetitivas em certa altura, como se o roteirista sentisse que precisa preencher o arco dele mesmo com alguma atividade enquanto desenvolve o de Shepherd, mais complexo e povoado de acontecimentos – o que denota no mínimo certo egocentrismo, que se comprova quando ele resolve aparecer como o próprio Alan Bennett dentro da trama, exercitando o que Deadpool chamou recentemente de “quebrar a 16ª parede”. São recursos fáceis, que volta e meia funcionam e dinamizam o andamento de A Senhora da Van, mas que revelam suas fragilidades com a mesma facilidade, quase comprometendo o projeto como um todo.


NOTA: 7/10

Nenhum comentário:

Postar um comentário