quinta-feira, 22 de março de 2018

CRÍTICA: CÍRCULO DE FOGO: A REVOLTA


Aos 7, talvez 8 anos, eu adorava ir para a praça na frente de casa com os meus bonecos de R$ 1,99 e brincar que eles estavam perdidos numa floresta imensa. Quando chovia no verão, a selva virava um pântano assombrado pelo meu único dinossauro de plástico, que também interpretava o T-rex amigo do herói - provavelmente um Seiya genérico. Meu quarto já foi cenário de batalhas épicas, e o jardim um reino distante. Conto isso porque, quando Guillermo del Toro estava prestes a lançar Círculo de Fogo em 2013, me questionava como um cineasta tão talentoso em preencher de sensibilidade obras de horror de fantasia, iria encaixar delicadeza num filme sobre lutas entre monstros e robôs gigantes. O que eu falhei em perceber na época é que a delicadeza estava justamente na inocência desse conceito.



Diferente dos péssimos filmes dos Transformers, del Toro construiu Círculo de Fogo sob a perspectiva pueril de uma criança. É uma aventura fantasiosa e mirabolante, sim, mas que se leva a sério dentro de sua própria lógica - na minha imaginação, os personagens vividos pelos meus brinquedos sofriam, lutavam intensamente como se suas vidas dependessem disso (e dependiam), e por fim, se regozijavam em conquistas. Círculo de Fogo: a Revolta, continuação que já não conta mais Guillermo no comando, perdeu alguns pontos nesse aspecto. É mais cínico, seus personagens recorrentemente admitem que seus diálogos são expositivos (e são), ou mesmo que um discurso de motivação que vem em seguida, não vai ser tão épico quanto outros ouvidos no antes.



Mas o cinismo apenas beira o deboche, e o acerto é não se entregar ao escárnio. O diretor Steven S. DeKnight e o resto da galera que assina o roteiro (são quatro pares de mãos, o que normalmente não é um bom sinal) souberam equilibrar as meta-piadinhas para que não se quebrasse a força desse universo, que é justamente não subestimar intelectualmente a diversão descompromissada e saudável que se pode extrair de bichos imensos se degladiando. Dito isso, essa sequência acaba pecando em noções básicas que o anterior já tinha gabaritado; se antes os robôs demonstravam ter o peso que um pedaço de metal do tamanho de um prédio teria, aqui isso é usado conforme a conveniência da cena, e muitas vezes os jaegers são transformetizados, viram cambalhota, são ágeis e rápidos, assim como os kaijus também.


Além disso, Knight está longe de dominar a maestria de Guillermo del Toro, que como diretor também carrega consigo uma identidade visual muito forte. O resultado é uma tentativa de emular o primeiro longa que funciona por vezes e, noutras, nem tanto. O engraçado é que na escala dos seres humanos, Knight é quase sempre confuso. Abusa de dutch angles (planos inclinados) sem propósito aparente, usa enquadramentos fechados e uma fotografia escura que destroem qualquer ação entre as pessoas. Já ao nível dos robôs, o realizador se sai bem melhor, sabe estabilizar a câmera e controlar muito bem a mise en scène - quem está onde em relação ao quê. Além disso, diferentemente do anterior, as sequências de luta aqui se passam quase sempre sob a luz do sol, o que também facilita o trabalho da nova direção, que consegue arquitetar embates criativos envolvendo diversos elementos inusitados - ainda que jamais chegue perto de criar um momento como a batalha em Tóquio do primeiro filme. E no final, Círculo de Fogo é sobre isso né? As cenas de ação entre os bichões. E se elas funcionam, já é meio caminho andado.


Porém, A Revolta tem mais um propulsor, que vem na forma de John Boyega. Cada vez mais à vontade e carismático, ao jovem ator parece não faltar confiança alguma para encabeçar um blockbuster dessa escala - o que é reconfortante tendo em vista a falta de apelos no resto do elenco, uma vez que não temos mais Idris Elba, Charlie Hunnam ou Ron Perlman. Ainda que os coadjuvantes Burn Gorman e Charlie Day retomem seus papéis, aparentemente se divertindo horrores - e só fica mais prazeroso acompanhá-los em tela quando percebemos que o roteiro se permite criar livremente em cima do arco dos personagens, dando rumos inesperados e criativos para ambos.


Óbvio que dá pra questionar porque raios a sociedade continuou produzindo os custosos jaegers depois que eles perderam sua utilidade, e ainda porque estavam privatizando o setor (de onde vem o lucro nessa ideia?),  ou mesmo o fato de a conexão neural entre os personagens ficar mais fácil ou mais difícil de acordo com a necessidade da cena. Mas Círculo de Fogo: a Revolta não faz nada disso o seu foco e continua entendendo a força motriz desse projeto: chegar na parte em que vai surgir um monstro ainda maior para os robôs enfrentarem. Como crianças reciclando os meus brinquedos para aventuras diferentes, a continuação do longa de del Toro compreende que o importante é se dar o direito de se divertir e levar a sério essa diversão.


NOTA: 7/10   

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