sexta-feira, 22 de junho de 2018

CRÍTICA: A MORTE DE STALIN


O humor é mesmo uma ferramenta poderosa, e A Morte de Stalin se beneficia imensamente ao usá-lo para causar desconforto. Veja bem, é sobre saber usar esse recurso com inteligência. Acompanhando do modo mais fiel possível as horas que precederam e que se seguiram ao evento do título, o roteiro (de Armando Iannucci, também diretor do projeto) lida com personagens repulsivos, sanguinários e mesquinhos  agindo em situações hediondas, e que ainda assim, inspiram o riso. 

É como um jogo de quem pisca primeiro, as piadas de Iannucci se alongam e desafiam o espectador a rir frente às barbáries, à falta de caráter e à monstruosidade daquela realidade. Falamos aqui de estupros, assassinatos, massacres, tortura e Ditadura. E mesmo assim, o riso vem - mas rimos deles, não com eles.

E esse é um dos aspectos que mais me fascinam na Arte. Ela não tem que estar certa, tem é que funcionar. O humor contraditório, daquele que vem acompanhado da boca tapada pelas mãos, é trazido aqui como provocação, incomoda, e por isso mesmo soa como um retrato fiel dos fatos reais. Num momento hilário, o Pequeno Conselho de Stalin (formado por seus ministros) tenta carregar seu corpo, decidindo quem fica com qual parte. Noutra, a paranoia da população, aterrorizada pelo regime stalinista, é ilustrada por um maestro que, com medo de estar sendo ouvido pelos agentes de Stalin, acaba se comportando de maneira ridícula, e isso só fica mais divertido porque surge como fundo de quadro, enquanto outra ação se desenrola em primeiro plano.

Mas esse humor também vem pelos desafios de Iannucci, que recorrentemente para o filme para confrontar a audiência com o absurdo. Por exemplo, uma discussão sobre a quem se referiu uma ameaça, que dizia "a todos vocês", se estende tempo suficiente em tela para ficar ridícula, bem como uma briga entre dois militares em meio a um círculo de pessoas constrangidas demais para interferir - e que ainda estão reunidos ao lado de um cadáver com o crânio exposto. Outro momento é quando Vyascheslav Molotov (Michael Palin) continua a insistir que a esposa é uma traidora do governo, tentando manter uma absurda (e falsa) imagem de lealdade a Stalin, mesmo após sua morte.

Aliás, que elenco. Simon Russell Beale acaba se destacando como o terrível Lavrenti Beria, por sua presença de cena e importância na trama. Mas Steve Buscemi é quem se destaca como Nikita Khrushchev, empregando suas feições maliciosas em contraste com a postura desengonçada - já seria um dos meus favoritos para os prêmios de Ator Coadjuvante. Jeffrey Tambor como Georgy Malenkov faz frente a essa composição, dentro de roupas enormes que ressaltam seu desconforto, mas é divertido como tenta manter uma pose autoritária que nunca convence.

Por fim, isso aqui sim é um humor politicamente incorreto DE VERDADE. Não aquelas bobagens preconceituosas propagadas por Danilos Gentilis e afins. Aquilo é apenas ódio e burrice disfarçado de "piadinhas" fáceis. Humor transgressor, que brinca com o hediondo, a violência, com o pior do ser humano, tem que ser feito com inteligência. Iannucci faz isso em A Morte de Stalin ao aplicar essa camada de comédia visual e nonsense sobre momentos que deveriam ser dramáticos, pesados e revoltantes. Ele ri da mesquinharia, do ego e das ambições egoístas e assassinas daqueles homens, não das vítimas.

Nota: 10/10


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