Famosos por trazerem
às telonas a trilogia Matrix,
os irmãos Andy e Lana Wachowski juntam-se aqui com o diretor alemão Tom Tykwer
(de Corra, Lola, Corra) para realizar um projeto que muito
provavelmente será encarado de duas maneiras bem distintas: ruim,
confuso, longo, estranho e forçado; ou eficiente, dinâmico, diferente e
fantasioso. A questão, porém, é que, pro bem ou pro mal, é inegável que esse A
Viagem é um filme ambicioso.
E neste caso eu reforço: ambicioso ele é. Tanto que ao seu término, em meio à
absorção da fantástica obra que acabara de assistir, o único pensamento
negativo que me passava pela cabeça em relação ao filme era: "Como eu faço uma sinopse pra isso?".
Adaptado do livro
homônimo de David Mitchell pelo próprio trio responsável pela direção, o
longa conta seis histórias diferentes, todas desenvolvidas paralelamente.
Porém, cada uma dessas tramas se passa em uma época absurdamente diferente da
outra, sendo (em ordem cronológica) a primeira sobre um advogado em meados do
século dezenove preso em um barco onde descobre escondido um dos escravos cuja
compra está negociando para o seu sogro. A segunda acompanha a trajetória de um
jovem músico homossexual durante a década de quarenta que se refugia sob a
tutela de um respeitado compositor para buscar inspiração para uma composição
própria, enquanto a terceira conta a investigação de uma persistente jornalista
no início da década de setenta tentando incriminar uma megacorporação enquanto
corre por sua vida de um assassino contratado para matá-la. A quarta nos
apresenta nos dias atuais a um velho editor que devido a diversas complicações
acaba preso por engano em um asilo comandado por uma enfermeira linha dura. Na
quinta conhecemos um futuro Cyber-Punk na Coréia do Sul, comandada por uma
ditadura rigorosa que culmina na fuga de Sonmi-451, uma escrava criada em
laboratório para servir a uma grande rede de lancherias, um fato que motiva o
início de uma revolução que usará a figura de Sonmi como messias de sua causa.
E na sexta e última trama somos introduzidos a um futuro pós-apocalíptico onde
uma tribo pacífica, que venera a então Deusa Sonmi, é assombrada por violentos
canibais que vivem ao pé da montanha até que a chegada de uma Presciente, uma
humana dotada de conhecimentos dos tempos antigos, muda a percepção de um dos
membros da tribo levando-o a ajudá-la na investigação de uma possível salvação
para a sua espécie.
Seis tramas, seis
épocas diferentes, desenvolvidas paralelamente e um elenco fixo para viver em
cada uma delas personagens diferentes. Assim, podemos ver Tom Hanks interpretar
desde o protagonista da sexta história, Zachry, até um mero coadjuvante fazendo
ponta como um atendente de hotel na segunda, assim como Halle Berry vivendo a
jornalista Luisa Rey, figura central da terceira trama, e também uma figurante
entre os muitos escravos na primeira. E por isso (e também, claro, por este ser
um dos temas recorrentes em todos os segmentos) pode-se interpretar que cada
uma daquelas figuras nas quais se repete o ator, são reencarnações da mesma pessoa,
reforçando o chavão do filme "tudo está conectado". E se assim for
encarado, pode-se dizer, por exemplo, que o velho editor Timothy Cavendish
acabar preso num asilo sob a tutela de uma verdadeira megera, é simplesmente
reflexo de seu comportamento em uma vida passada onde era o respeitado
compositor Vyvyan Ayrs, que manteve em cativeiro o jovem músico Robert
Frobisher (Ben Whishaw) para roubar-lhe suas composições. Assim como os
personagens vividos por Hugo Weaving parecem destinados a serem catalisadores
de maldade e os de Jim Sturgess representarem sempre uma força
de mudança ou salvação para outros personagens.
E um dos maiores
acertos de A Viagem é nunca tentar catequizar seu
espectador em relação a este elemento (a reencarnação), claramente vertente da hoje popular
doutrina Espírita, apresentando-o como um conceito fantástico de seu universo,
não muito diferente do que faz O
Senhor dos Anéis ao explicar
como a força vital do vilão residia presa dentro de um pequeno anel dourado, ou
de Harry Potter quando ficamos sabendo das regras
mágicas que regem aquele mundo. Isso torna o longa muito mais digerível para qualquer espectador, que pode ser pegar catando essas nuances e detalhes que tornam
o universo do filme muito mais amplo e complexo. Outro
acerto do trio de diretores/ roteiristas é manter este conceito assim mesmo, como apenas um
detalhe. Uma curiosidade a ser notada nas histórias, podendo-se tranquilamente ver e entender
todos os seis segmentos do longa sem recorrer a esta explicação. Claro que
atendo-se a ela, o filme fica muito mais divertido, e procurar as influências
de uma trama na outra torna-se parte da experiência.
E tendo cada ator se
disposto a representar inúmeros papeis diferentes, o elenco, escolhido a dedo, consegue se sair fantasticamente bem ao
viver figuras diversas. Tom Hanks, claramente o mais versátil no elenco, se
destaca no segmento onde consegue encarar com a caricatura necessária o
escritor barra pesada Dermot (cuja única cena tem um final inesperado, violento
e hilário) convencendo também como o bom e receoso Zachry em outro momento. Porém, ainda que Berry, Sturgess, Sarandon e até mesmo Hugh Grant em menor grau estejam
divertidos e cativantes em seus papeis/aparições, é realmente Jim Broadbent e
Hugo Weaving que chamam mais a atenção sempre que em cena. O primeiro por
compor de formas distintas seus três principais personagens, personificando o
rabugento Capitão Molyneux, passando pelo desprezível compositor Vyvyan e
chegando ao seu melhor no atrapalhado e divertido Timothy, enquanto o outro, Weaving, merece um sorriso de canto de boca por cada um dos tipos de vilão (alguns são
apenas pessoas malvadas) que encarna, com destaque óbvio para o assassino de
aluguel Bill Smoke e a impagável Enfermeira Noakes.
E sim, graças a um
impressionante trabalho de maquiagem (que às vezes passa um pouco do ponto), não só todas as figuras vividas por cada
ator são facilmente distinguíveis umas das outras, como também é possível ver o elenco trocar constantemente de gênero, etnia e idade. Sendo os trabalhos mais chamativos, nesse aspecto, aqueles feitos em: Sturgess, que é transformado no Sul Coreano Hae-Joo Chang; Weaving em Noakes; e Hanks
no escritor Dermot. Aliás, toda a parte técnica do filme é admirável, da
direção de arte aos figurinos, os efeitos, a fotografia, a trilha, tudo ajuda a
diferenciar claramente cada um dos seis segmentos do longa, sendo quase
impossível confundir um com o outro tamanha a capacidade das equipes técnicas
em conceder identidade a cada um deles, seja na fotografia e nos figurinos
escuros do futuro na Coréia do Sul, na palheta de cores básicas escolhida para
compor os sets na década de setenta ou nas cores neutras e frias que tornam a
realidade do jovem músico Robert tão pesada quanto ele a descreve em suas
cartas.
Porém, se nos
bastidores de A Viagem há um astro, este é o montador
Alexander Berner, que vence o pesadelo de unir estas seis tramas de uma forma
homogênea, consistente e ritmada, alternando momentos de calmaria em alguns
segmentos, com uns de maior tensão em outros, mantendo assim um ritmo
impecável que mantém cativo o espectador durante as quase três horas de duração
do longa. Sabendo também fluir entre uma e outra de maneira orgânica, Berner
aposta quase sempre em confluências temáticas para unir suas sequências, como,
por exemplo, quando mostra um personagem indo buscar outro e corta para uma
cena em outra das tramas onde há uma menininha batendo em uma porta. Assim, nem
mesmo a diferença de gêneros entre as histórias (e sim, cada uma possui o seu tom bem definido, como o thriller, a comédia e a ficção-científica) acaba
soando como uma quebra de clima, sendo, pelo contrário, um dos fatores que ajudam a
aprofundar as dimensões do longa em si. E reclamar da falta de
profundidade de cada segmento em particular não vem ao caso, pois se levado em conta todos os personagens vividos por cada ator, é possível estabelecer uma linha
(como fiz acima) e identificar uma personalidade única que se apresenta em
várias facetas.
E no fim, para aqueles
que mantiveram a atenção, o filme será com certeza um prato cheio a ser
analisado e interpretado, pois mal citei, por exemplo, certa marca de nascença em
forma de cometa que aparece em pelo menos um personagem de cada segmento (que
prefiro encarar como sendo sempre a pessoa catalisadora de eventos de cada um
deles). Há temas óbvios que se repetem em cada uma das tramas é claro, todas
elas parecem de algum modo falar sobre a libertação, a luta pela subversão de
um sistema vigente ou pela igualdade social, temas, aliás, recorrentes na filmografia dos Wachowski. Mas acredito que A
Viagem ainda possua muitas
outras camadas a serem descobertas por um espectador mais paciente e
compreensivo. E um filme que consegue fazer com que seu público pare para
pensar sobre ele, é sempre, em algum grau, bem sucedido.
Mto boa a resenha, mas infelizmente continuei sem entender as histórias, pq tive a impressão de que elas se conectavam de alguma forma. Achei qu talvez vc fosse conseguir me elucidar a questão. Se as histórias não são conectadas então significa que as histórias são independentes?? E talvez por isso a ousadia, ao fazer um filme em que conta simultaneamente 6 histórias independentes??
ResponderExcluirBjs, Mi
www.recantodami.com
Mas eu disse bem pelo contrário, que elas se conectam de várias formas. dei exemplos ainda. E por fim, disse ainda que procurar as influências de uma nas outras era parte da diversão de se assistir ao longa.
ExcluirEste é um filme muito diferente com certeza e é para ser visto e revisto, e, para quem gosta de pensar, me desculpem os que gostam apenas de um entretenimento sem mais profundidade. Cinema é isso, um filme desses ou você entende ou vai passar a vida sem entender. Cada um tem sua própria interpretação. Eu entendi exatamente como você colocaste e posso assegurar me diverti tentando achar as conexões.Ótima crítica
ResponderExcluiruma merda de filme
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