Em certo momento deste O Lugar Onde Tudo Termina,
comecei a me perguntar se o título nacional da produção era alguma espécie de
ironia, já que cheguei a duvidar que o filme, de fato, pretendesse acabar. E
caso não pretendesse, e talvez se alongasse por mais uma ou duas horas, não
vejo como isso poderia ser um ponto negativo, tamanho o cativo exercido por
seus três protagonistas e pelos arcos individuais que cada um deles percorre.
A princípio contando a
história de Luke (Ryan Gosling), um motociclista acrobata de um circo
itinerante que resolve abandonar a carreira para virar assaltante de banco, e
assim, poder ajudar financeiramente Romina (Eva Mendes) com quem tem um filho recém-nascido, logo, e talvez inesperadamente, a trama começa acompanhar o oficial de
polícia Avery (Bradley Cooper), que ferido em serviço vira uma espécie de herói
da cidade, não tardando a descobrir uma rede de corrupção interna na delegacia
onde trabalha. E é vindo deste plot que se passam quinze anos e descobrimos que
agora o foco do longa é a amizade conflituosa entre o filho de Avery, AJ (Emory
Cohen) e o filho de Luke, Jason (Dane Dehaan), dois adolescentes problemáticos
e rebeldes, pertencentes a mundos completamente diferentes.
Há dois anos eu
escrevia sobre Namorados para Sempre, filme que era dirigido pelo mesmo Derek Cianfrance responsável pelo
longa em questão nesta crítica aqui. E ainda que seja um texto meu antigo e
muito ingênuo (admito), ao final dele eu dizia, apesar de elogiar as boas
performances de Gosling e Williams, o seguinte: "tem
potencial para dirigir uma boa trama do gênero, esperemos que em seu próximo
trabalho, não venhamos a esquecer de seus personagens tão facilmente". E este posicionamento sobre aquele
longa, mantenho, principalmente agora que vejo minhas palavras se tornarem
realidade. Cianfrance consegue desta vez não só conduzir uma boa, suburbana e
melancólica trajetória, como já havia feito em Namorados, como também nos
apresentar a personagens marcantes. E muito disso deve-se a seus intérpretes.
Embora eu ache que Gosling não saia muito de sua zona de conforto,
o bom moço que, para fazer o bem, comete atos normalmente associados a pessoas
más, é inegável que seu Luke possua uma personalidade única na gama de
personagens de seu currículo. Investindo em uma postura desengonçada e em falas baixas e calmas, o ator não se poupa de empregar uma voz esganiçada e
impregnada com uma óbvia falta de maldade quando seu Luke grita com os caixas
dos bancos que assalta. Assim, logo estabelecemos o personagem não como um
homem mau, apenas desesperado. Já Cooper, em contrapartida, assume a precisão e
a rigidez em sua postura e movimentos dignos do treinamento policial que Avery
parece ter absorvido com fervor, mas nunca deixando de demonstrar gentileza em
sua voz e em seus gestos. Enquanto isso, Cohen logo define a criatura
detestável que é o seu AJ, manipulador e naturalmente trapaceiro, o garoto
investe na displicência em todos os aspectos de sua performance, o que acaba
contrastando de forma interessante com a atuação de Dehaan, que faz de seu
Jason um adolescente que, apesar de perturbado, não deixa de despertar a pena e
a compaixão do espectador, que se solidariza com a introspecção e a busca do
menino por suas origens.
Começando seu filme
com um longo plano sequência (disfarçado pelos créditos iniciais) que já
premedita o tom de continuidade que pretende estabelecer, Derek Cianfrance
volta a demonstrar um controle e noção muito amplos da linguagem
cinematográfica, e o momento em que sua câmera assume o ponto de vista dos
carros de polícia que perseguem Luke pelas ruas de uma cidadezinha, coloca o
espectador em uma situação conflitante, aumentando a tensão, pois assim como
não queremos que o nosso protagonista seja pego pelos policias, desejando que
ele se afaste da câmera e, portanto, do perigo, tão pouco queremos deixar de
acompanhar as ações do mesmo e torcemos para que a polícia continue colada
nele.
E é com extrema
facilidade que o roteiro, escrito pelo próprio Cianfrance ao lado de Ben Coccio
e Darius Marder, navega e faz a transição de uma trama para a outra, graças
também aos bons personagens que consegue criar, nunca deixando o público com a sensação
de ter deixado de lado um bom personagem em uma boa trama para acompanhar outro
medíocre em um plot desinteressante. Ainda que, claro, o diretor e roteirista
mantenha uma unidade temática que percorre os três arcos, a paternidade. Desde
Luke resolvendo assumir uma vida criminosa para poder suprir as necessidades de
seu filho, passando por Avery que distante do seu próprio, segue os passos do pai em direção à carreira política em uma tentativa subentendida de se
aproximar do mesmo, até Jason, que deslocado, busca saber quem, de fato, foi seu
pai.
E neste ponto, não soa
gratuita a referência a Star
Wars, feita pelo pai adotivo de Jason. "Eu sou seu pai, busque nos seus
sentimentos, você sabe que é verdade" brinca ele com o garoto em determinado
ponto do filme, imitando a famosa cena protagonizada por Darth Vader e Luke
Skywalker. E não deixa de ser interessante que até mesmo a fisionomia e o
figurino de Dane Dehaan remetam aos de Mark Hamill em O Império Contra-Ataca,
enquanto também é curioso perceber que Cianfrance nomeia o pai de Jason como
Luke (muita coincidência?
). E se pode parecer a princípio destoante um filme feito em formato indie
fazer tantas referências a Guerra
nas Estrelas, em questões de contextualização, tais citações e homenagens
soam nada menos que apropriadas, tendo em vista os temas que ambas as produções compartilham, tais quais: O pai que em nome de boas
intenções se corrompe moralmente, o filho em constante tentação com o
"Lado Negro", e por fim, o jovem em busca de (aqui metaforicamente) trazer seu
pai para o lado bom outra vez. E mesmo que não fique tão claro e mastigado, como são os arquétipos de
George Lucas, é inegável que Jason consiga trazer de volta seu pai do lado
sombrio em uma tocante sequência em que compra uma velha moto e abandona o
local tranquilo dirigindo-a, ressuscitando
assim ao menos o espírito de seu pai em seus melhores dias. Muito mais sutil, mas não menos eficaz.
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