quarta-feira, 12 de junho de 2013

O LUGAR ONDE TUDO TERMINA


     Em certo momento deste O Lugar Onde Tudo Termina, comecei a me perguntar se o título nacional da produção era alguma espécie de ironia, já que cheguei a duvidar que o filme, de fato, pretendesse acabar. E caso não pretendesse, e talvez se alongasse por mais uma ou duas horas, não vejo como isso poderia ser um ponto negativo, tamanho o cativo exercido por seus três protagonistas e pelos arcos individuais que cada um deles percorre.


     A princípio contando a história de Luke (Ryan Gosling), um motociclista acrobata de um circo itinerante que resolve abandonar a carreira para virar assaltante de banco, e assim, poder ajudar financeiramente Romina (Eva Mendes) com quem tem um filho recém-nascido, logo, e talvez inesperadamente, a trama começa acompanhar o oficial de polícia Avery (Bradley Cooper), que ferido em serviço vira uma espécie de herói da cidade, não tardando a descobrir uma rede de corrupção interna na delegacia onde trabalha. E é vindo deste plot que se passam quinze anos e descobrimos que agora o foco do longa é a amizade conflituosa entre o filho de Avery, AJ (Emory Cohen) e o filho de Luke, Jason (Dane Dehaan), dois adolescentes problemáticos e rebeldes, pertencentes a mundos completamente diferentes. 


     Há dois anos eu escrevia sobre Namorados para Sempre, filme que era dirigido pelo mesmo Derek Cianfrance responsável pelo longa em questão nesta crítica aqui. E ainda que seja um texto meu antigo e muito ingênuo (admito), ao final dele eu dizia, apesar de elogiar as boas performances de Gosling e Williams, o seguinte: "tem potencial para dirigir uma boa trama do gênero, esperemos que em seu próximo trabalho, não venhamos a esquecer de seus personagens tão facilmente". E este posicionamento sobre aquele longa, mantenho, principalmente agora que vejo minhas palavras se tornarem realidade. Cianfrance consegue desta vez não só conduzir uma boa, suburbana e melancólica trajetória, como já havia feito em Namorados, como também nos apresentar a personagens marcantes. E muito disso deve-se a seus intérpretes.



     Embora eu ache que Gosling não saia muito de sua zona de conforto, o bom moço que, para fazer o bem, comete atos normalmente associados a pessoas más, é inegável que seu Luke possua uma personalidade única na gama de personagens de seu currículo. Investindo em uma postura desengonçada e em falas baixas e calmas, o ator não se poupa de empregar uma voz esganiçada e impregnada com uma óbvia falta de maldade quando seu Luke grita com os caixas dos bancos que assalta. Assim, logo estabelecemos o personagem não como um homem mau, apenas desesperado. Já Cooper, em contrapartida, assume a precisão e a rigidez em sua postura e movimentos dignos do treinamento policial que Avery parece ter absorvido com fervor, mas nunca deixando de demonstrar gentileza em sua voz e em seus gestos. Enquanto isso, Cohen logo define a criatura detestável que é o seu AJ, manipulador e naturalmente trapaceiro, o garoto investe na displicência em todos os aspectos de sua performance, o que acaba contrastando de forma interessante com a atuação de Dehaan, que faz de seu Jason um adolescente que, apesar de perturbado, não deixa de despertar a pena e a compaixão do espectador, que se solidariza com a introspecção e a busca do menino por suas origens.



     Começando seu filme com um longo plano sequência (disfarçado pelos créditos iniciais) que já premedita o tom de continuidade que pretende estabelecer, Derek Cianfrance volta a demonstrar um controle e noção muito amplos da linguagem cinematográfica, e o momento em que sua câmera assume o ponto de vista dos carros de polícia que perseguem Luke pelas ruas de uma cidadezinha, coloca o espectador em uma situação conflitante, aumentando a tensão, pois assim como não queremos que o nosso protagonista seja pego pelos policias, desejando que ele se afaste da câmera e, portanto, do perigo, tão pouco queremos deixar de acompanhar as ações do mesmo e torcemos para que a polícia continue colada nele.



     E é com extrema facilidade que o roteiro, escrito pelo próprio Cianfrance ao lado de Ben Coccio e Darius Marder, navega e faz a transição de uma trama para a outra, graças também aos bons personagens que consegue criar, nunca deixando o público com a sensação de ter deixado de lado um bom personagem em uma boa trama para acompanhar outro medíocre em um plot desinteressante. Ainda que, claro, o diretor e roteirista mantenha uma unidade temática que percorre os três arcos, a paternidade. Desde Luke resolvendo assumir uma vida criminosa para poder suprir as necessidades de seu filho, passando por Avery que distante do seu próprio, segue os passos do pai em direção à carreira política em uma tentativa subentendida de se aproximar do mesmo, até Jason, que deslocado, busca saber quem, de fato, foi seu pai.



     E neste ponto, não soa gratuita a referência a Star Wars, feita pelo pai adotivo de Jason. "Eu sou seu pai, busque nos seus sentimentos, você sabe que é verdade" brinca ele com o garoto em determinado ponto do filme, imitando a famosa cena protagonizada por Darth Vader e Luke Skywalker. E não deixa de ser interessante que até mesmo a fisionomia e o figurino de Dane Dehaan remetam aos de Mark Hamill em O Império Contra-Ataca, enquanto também é curioso perceber que Cianfrance nomeia o pai de Jason como Luke (muita coincidência?). E se pode parecer a princípio destoante um filme feito em formato indie fazer tantas referências a Guerra nas Estrelas, em questões de contextualização, tais citações e homenagens soam nada menos que apropriadas, tendo em vista os temas que ambas as produções compartilham, tais quais: O pai que em nome de boas intenções se corrompe moralmente, o filho em constante tentação com o "Lado Negro", e por fim, o jovem em busca de (aqui metaforicamente) trazer seu pai para o lado bom outra vez. E mesmo que não fique tão claro e mastigado, como são os arquétipos de George Lucas, é inegável que Jason consiga trazer de volta seu pai do lado sombrio em uma tocante sequência em que compra uma velha moto e abandona o local tranquilo dirigindo-a, ressuscitando assim ao menos o espírito de seu pai em seus melhores dias. Muito mais sutil, mas não menos eficaz.

NOTA: 10/10


       

Nenhum comentário:

Postar um comentário