sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A VIDA SECRETA DE WALTER MITTY



          Com o passar do anos, Ben Stiller tem se mostrado um diretor gradativamente mais competente a cada filme pelo qual se responsabiliza, o que faz deste seu A Vida Secreta de Walter Mitty, obviamente, o seu melhor trabalho como realizador até então. Demonstrando um apuro visual e temático que, se não se pode dizer que referencia, é claramente inspirado nos filmes de Michel Gondry e/ou Charlie Kaufman, Stiller (que aqui também é o nosso protagonista) faz do longa um admirável exercício criativo ao passo em que conta a fantasiosa e delicada história de um delicado e fantasioso personagem.



     O tímido chefe do departamento de negativos fotográficos da revista Life, Walter Mittty (Stiller), é tão insípido que às vezes até mesmo a porta do elevador ignora sua presença, do mesmo modo como ele parece ignorar a maior parte das belezas a sua volta, sendo uma rara exceção seu interesse pela colega de trabalho Cheryl (Kristen Wiig). Tendo o costume de se perder em devaneios onde ele realiza atos heroicos e impossíveis para resolver seus problemas, Walter se vê tendo de começar a realizá-los de verdade quando a revista entra em processo de fechamento, sendo ele o responsável por achar um frame perdido que seria a capa da última edição, para isso indo aos lugares mais exóticos do planeta atrás do autor da fotografia, um aventureiro chamado Sean O'Connell (Sean Penn).


     Quem nunca se imaginou fazendo algo impossível? É comum a quase todo ser humano idealizar situações e não raras às vezes que pessoalmente me perco em devaneios ouvindo a uma boa música no tédio de uma viagem de ônibus, ou numa fila de banco talvez. Menos raro ainda são as vezes passamos por algo admirável sem, de fato, admirá-lo. Reconhecendo esta característica rotineira do indivíduo urbano que é o seu Walter Mitty, Stiller primeiramente introduz o título de maneira discreta, disfarçado de placas de sinalização, quase que desafiando o espectador a notá-lo, só para depois então, assim como fará com Walter, mostrá-lo em todas as suas cores e potencial estampado no meio da tela. Ainda nesta abordagem, o diretor investe aqui e ali em plongée's absolutos (ângulo de visão de 90º onde você vê tudo de cima), mostrando os verdadeiros mosaicos artísticos formados por ladrilhos no chão, e por onde, claro, nosso protagonista passa sem jamais notar a arte sobre a qual está pisando.


     Desta maneira, Stiller e sua equipe de design de produção também são eficientes ao estabelecer visualmente o contraste entre os mundos de Walter e do resto de seus colegas de trabalho, sendo o escritório do primeiro uma sala de arquivos escura e cheia de dutos que remetem a um ambiente oriundo de uma década passada, enquanto os outros escritórios da revista são abertos, brancos e bem iluminados. Porém, as invencionices visuais do cineasta não ficam apenas nestas sutilezas, e não tarda para que uma SMS recebida num celular seja mostrada esculpida na lateral de uma montanha, ou que um rolo de negativos importante, em uma belíssima transição, se transforme numa fonte onde Walter senta-se costumeiramente para almoçar, e que mais tarde será igualmente importante.


     Na verdade, bastava o "diálogo" inicial de Walter com seu computador, onde os planos e contra-planos estabelecem eficientemente uma tensão quebrada eventualmente pelo riso, para que o diretor ganhasse os pontos necessários para a admiração, ainda assim, Stiller também continua a demostrar ser um ator carismático, fazendo aqui do nosso herói um ser que apesar de tímido e até mesmo um tanto introspectivo, jamais se mostra frágil ou digno de pena. E seu timing cômico durante uma conversa de gestos com seus guias no Himalaia trazem à tona o bom comediante que é.


     Pecando apenas ao erroneamente decidir mostrar a misteriosa fotografia, que deveria ter ficado na imaginação do espectador, o desfecho do longa ainda trás uma dubiedade interessante em relação ao título original (The Secret Life os Walter Mitty), que se perde na tradução para o português, embora esta seja literal. Entretanto, ainda um pequeno pecadilho em meio a acertadas escolhas como a de tocar a belíssima Wake Up, do Arcade Fire, para acompanhar um apropriado momento de epifania do personagem título, que embora figurando uma típica história motivacional, jamais se perde em tentar dogmatizar seu espectador, se preocupando mais em deslumbrá-lo com a bonita história que protagoniza. E note os créditos finais, onde o filme continua na tarefa de encantar com belas imagens. 


NOTA: 7/10



   

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