Vale lembrar que na
versão para o cinema de As
Duas Torres (também o
capítulo do meio da outra trilogia) acontecia o mesmo, porém lá, Jackson de
fato havia como justificar as mais de três horas de duração de seu longa - e as
quase quatro (!) da versão estendida, esta sim com um ritmo admirável. Já aqui,
o cineasta repete a linha adotada em Uma Jornada Inesperada e entrega
um filme mais do que fiel à sua obra original e que justamente por isso, nem
sempre possuí o melhor dos andamentos. É claro que cada longa-metragem possuí
uma proposta e não estou dizendo que é errado que este se proponha a ser
basicamente fiel a seu material de origem, e enquanto leitor da obra de
Tolkien, me maravilhei ao ver transportados para as telas todos os personagens
e momentos do livro, porém, não posso jamais esquecer-me de meus princípios
como admirador e estudioso do cinema, afinal um filme tem que se sustentar como
filme, e não como uma obra dependente de outra mídia para se fazer entender. E
deste ponto de vista, A
Desolação de Smaug é primariamente um filme feito de fãs para fãs, e consequentemente,
uma obra por natureza, excludente. Assim, como apreciador do escritor e das
adaptações de Jackson, me senti satisfeito e contente, mas não posso ignorar
que como cinéfilo, vejo alguns problemas neste segundo filme. Vejamos:
Investindo em uma
palheta mais dessaturada que a do filme anterior, tanto que já se fazem notar
as cores mais pálidas desde as logos iniciais, Jackson e seu montador, Jabez
Olssen (também responsável pelo arrítmico Um
Olhar do Paraíso), decidem usar um recurso que surgira de forma muito mais
orgânica no início de As Duas
Torres, um flashback. Se lá no longa de 2002 acompanhávamos o destino de
Gandalf (Ian McKellen) após cair no precipício, aqui temos oura vez o mago,
agora em seu primeiro encontro com Thorin (Richard Armitage), o líder da
comitiva dos anões. Passado esta breve introdução que tem como clara função
rever e esclarecer alguns fatos da trama para o público médio, continuamos a
acompanhar Bilbo (Martin Freeman) como o ladrão contratado pelos anões de Erebor,
estes em busca de seu lar e tesouro, ambos sob a custódia do maléfico dragão
Smaug (voz de Benedict Cumberbatch). Enquanto isso, Gandalf parte em sua
própria jornada para descobrir que tipo de mal vem crescendo secretamente na
Terra Média, indo de encontro a uma fortaleza que dizem habitada por um
Necromante (voz de Cumberbatch também).
É quase dispensável
que se dedique muitas frases para elogiar a direção de arte, os efeitos
visuais, figurinos e maquiagens, que voltam a se mostrar excelentes - há aqui e
ali um take onde a computação digital fica muito óbvia, mas são raríssimas
exceções. Mas do mesmo modo seria um crime não falar como estes recursos servem
à narrativa eficientemente, e uma cena onde elfos, anões e orcs se enfrentam
numa corredeira é especialmente divertida graças ao bom uso destes elementos
digitais. Sem contar que quando finalmente surge em tela, Smaug se revela uma
criação belíssima, crível e por si só cativante, como se não bastasse a locução
teatral de Cumberbatch.
Embora sendo o vilão
principal da história, Smaug possuía uma participação menor no livro de
Tolkien, aqui, esta é bem mais inflada para acomodar um clímax satisfatório (do
ponto de vista Peter Jacksoniano, claro), some isso ao fato de que o diretor
ainda incluí subtramas inexistentes na obra original (a Tauriel de Evangeline
Lilly é uma criação interessante, aliás), e temos todo um terceiro ato que
jamais consegue estabelecer um ritmo entre suas unidades, ainda que
isoladamente, cada uma delas funcione bem, sendo na transição de uma para outra
o problema: quando começamos a nos empolgar com o embate entre os anões e
Smaug, somos cortados para a Cidade do Lago (note-se, concebida visualmente por
Guillermo del Toro) para acompanhar Tauriel, Bard (Luke Evans) e o adoecido
Kili (Aidan Turner), e novamente quando começamos a nos envolver mais com
aquela trama, somos jogados para Gandalf em sua busca pelo Necromante, para que
tudo se repita de novo periodicamente. Uma condução truncada que parece até
mesmo desculpável quando se pensa no começo do longa, este sim, levado aos
tropicões. E por mais que seja bacana ver em tela o troca-peles Beorn (Mikael
Persbrandt), é fácil perceber que sua participação na trama poderia ter sido
burlada sem problemas, ao invés disso, o personagem está lá, e sua aparição é
uma âncora que impede o longa de começar com a empolgação necessária.
Pois sim, A Desolação de Smaug possuí consideráveis minutos a mais, e
é triste que eu tenha de observar isso após quatro filmes onde a longa duração
jamais foi um quesito a ser questionado. E não digo que não há diversão aqui,
de jeito nenhum, ela existe, mas vem em pequenas porções de cada vez, parecendo
não haver entre elas muito mais do que a vontade de seu diretor de ser fiel a
um livro. Claro que é um fato notável Jackson continuar a demonstrar uma paixão
incontestável para com as histórias de J.R.R. Tolkien, mas talvez seja amor
demais. Ao menos, soube terminar o filme no momento certo, e o eficiente
cliffhanger ao final deve segurar o público médio até a terceira parte no ano
que vem.
PS- Reparem no próprio Peter Jackson
repetindo sua ponta em A Sociedade do Anel durante o flashback que dá início ao
longa. É a primeira figura em tela.
PPS- Martin Freeman continua a demonstrar
uma veia cômica admirável, não poderiam ter escolhido um melhor Bilbo.
NOTA: 8/10
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