Se muito, A Teoria de Tudo é um filme agradável, feito nas medidas de uma
estatueta dourada. A velha e certeira fórmula de uma biografia pouco ousada
sobre superação funcionou novamente – pode-se dizer o mesmo sobre O Jogo da Imitação, aliás – angariou
cinco indicações ao Oscar e é o favorito a pelo menos uma delas. Não pisa em
ovos e sufoca conflitos que poderiam fazer dele um projeto mais denso, apesar
de menos adorável para a maioria dos votantes. A exemplo contrário de Foxcatcher, que está em cartaz e
indicado ao seu lado nos cinemas e nas premiações, o longa-metragem não entende
que ser fiel a fatos reais não implica em ser morno, mesmo que os acontecimentos
que retrate sejam amenos. O pior de tudo é: eles não são.
Adaptado a partir do livro da
própria Jane Hawking (Felicity Jones no filme), ex-esposa de Stephen Hawking (na
tela, Eddie Redmayne), o roteiro conta precisamente a parte que lhe concerne na
vida do famoso físico, começando no momento em que se conhecem e seguindo até a
sua eventual separação. É compreensível, portanto, que os conflitos emocionais
que envolveram o desgaste do casal tenham sido amenizados pela autora. Se isso
funciona como texto ou se soa covarde como no filme, não sei, não o li – e nunca
é demais repetir que não faz diferença, filmes adaptados seja do que for têm
que funcionar de forma independente de seus materiais de origem – mas como
roteiro incomoda esta falta de... Alguma coisa. Densidade, complexidade,
delicadeza, sensibilidade, são muitas as abordagens que A Teoria de Tudo
poderia ter escolhido seguir, o problema é que essa vista aqui, que se recusa a
posicionar-se, é emocionalmente nula, não engrena.
“Ah, mas o filme mostra isso e aquilo
acontecendo, a situação da Jane, o Stephen também, como assim então?”.
Lembrando que mostrar não é igual a ser. Apenas mostrar Jane tendo um princípio
de interesse por Jonathan (Charlie Cox) não garante a transmissão de qualquer
clima, tom ou sentimento. Cinema é fotografia, montagem, composição de quadros
e movimentação, mais o áudio, trilha, sons, efeitos, tudo isso sem contar o
conteúdo que esses meios podem levar consigo. Neste caso, o elenco é a única
coisa que eles trazem, porque se há alguma empatia para com o projeto, essa
exala diretamente dos atores.
Felicity Jones, menos lembrada ao
lado da performance assombrosa de seu colega, na verdade faz um trabalho igualmente
admirável justamente por ser comedido. Com pouco, a atriz revela em Jane as
sutilezas de uma estudante vivaz e jovial, que passa a ser a mulher deprimida, exausta e de olhar sombrio que vemos já no terceiro ato. Porém, Jones tem a sabedoria de
não transformar a personagem em uma figura mais fria ou insensível com o
desenrolar do filme, e quando ela finalmente admite amar Jonathan, é com
naturalidade e sem surpresa alguma que a notícia é recebida, já que, igualmente,
ela demonstra se preocupar com o marido enquanto sente-se atraída por uma vida
mais fácil e mais leve ao lado do outro. E ressalte-se também o trabalho de Charlie
Cox, que constrói Jonathan em seu pouco tempo de tela como um homem bondoso e
genuinamente torturado pela possibilidade de representar a ruptura de uma
família por quem nutre tanto carinho. Nesse quesito, a relação dos dois é eficiente em não nos deixar odiá-los, uma antagonização que seria prejudicial a trama.
No centro das atenções e o grande
favorito a estatueta de Melhor Ator, Eddie Redmayne, que merece todos os aplausos
por sua dedicação e estudo do personagem que assume, conseguindo a partir de
certa altura continuar transmitindo uma gama tão grande de emoções com as
feições quase totalmente paralisadas, quanto o era capaz de fazer antes disso, cuidando
para inserir então desde cedo pequenas estranhezas nos movimentos de Hawking. Para quem não sabe, o físico descobriu quando jovem sofrer de
esclerose, uma doença degenerativa que lhe coibiria os movimentos aos poucos.
Tendo sobrevivido muitos anos mais do que os médicos lhe previram, gerou três
filhos com Jane, escreveu livros e se dedica até hoje a relevantes e
importantíssimos trabalhos científicos.
Não se enganem, apesar de famoso
por seus feitos, A Teoria de Tudo é
muito menos sobre isso do que sobre a vida do casal Hawking – e perceber essa
escolha de foco e ver como ao mesmo tempo o diretor James Marsh se concentra e
foge dele é ainda mais decepcionante. Não que seja um problema ou que mesmo as
realizações de Stephen passem batidas, inclusive, o cineasta faz questão de
ressaltá-las até demais para um projeto que conscientemente prefere atentar à relação dos dois, e mais de uma vez se mostra irritantemente óbvio ao enfocar
figuras circulares ou em espiral, não confiando que o espectador será capaz de
fazer a ligação entre símbolo e significado. E quando tinha acabado de me
divertir constatando o sutilmente enquadrado movimento do creme na xícara de
café do protagonista, que remeteria diretamente a sua teoria sobre o tempo,
Marsh enfia um plano em close quase mergulhado no tal café para não deixar dúvidas
sobre a sua “genialidade” simbológica visual.
Não é um filme de todo ruim, afinal, mas é decepcionante que ao
contrário da figura sobre a qual fala e o ator escolhido para interpretá-la, o longa-metragem
é esquecido tão logo a impertinente trilha de Jóhann Jóhannsson – que insiste
em comentar cada minuto do projeto, sofrendo da mesma crise do diretor ao não
confiar que sejamos capazes por nós mesmos de decifrar se o que se passa em tela
é algo triste, alegre, etc - vem para
embalar os créditos finais.
NOTA: 6/10
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