Filmes com premissas
interessantes, vez por outra, cometem o erro de achar que o conteúdo em si será
suficiente para sustentar o projeto, esquecendo-se ou negando-se a fazer da
forma algo tão cativante quanto. Grandes
Olhos, por exemplo, dirigido por Tim Burton, cineasta destacado por sua
abordagem singular, dava a uma história real e curiosa contornos aborrecidos de
um drama convencional, fracassando como obra. E já dizia o sábio Roger Ebert,
não importa sobre o que um filme é, mas como ele é sobre o que ele é. No caso
de A Senhora da Van,
existe um equilíbrio entre o comum pouco inspirado, e algumas muletas
narrativas que, de forma trôpega, acabam funcionando e não deixando que o
frescor da “novidade”, aquela senhorinha peculiar do título, se dilua em um projeto
esquecível.
Baseado na peça escrita por
Alan Bennett, o filme conta a história do mesmo (vivido por Alex Jennings) no
período em que permitiu que sua garagem fosse a casa de uma tal Miss Shepherd
(Maggie Smith), moradora de rua cujo único bem é uma velha van, dentro da qual
habita. O fato, que perdurou por mais de uma década, o leva a escrever uma peça
sobre a “amiga” e “vizinha”. Que por sua vez, é a mesma montagem teatral que
irá virar o filme que se desenrola na nossa frente, não sendo menos confuso
observar que o roteiro desse é escrito pelo próprio Alan Bennett.
Para temperar essa trama ele
então cria para si mesmo uma espécie de alter ego, um eu escritor com quem
conversa e troca ideias sobre o que está se desenrolando em tela. Ele quer ou
não escrever sobre Shepherd? Ele tem ou não uma tendência a escrever sobre
mulheres idosas por causa da doença de sua mãe? Ele decide ajudá-la por que
está interessado no potencial dramático da “personagem” ou por que realmente se
afeiçoa àquela senhora? O eu escritor de Alan está sempre lá para levantar
questões para o Alan real, e Jennings faz um bom trabalho diferenciando ambos,
mesmo que de forma sutil. Enquanto o primeiro exibe uma certa conformidade e
paciência, o outro, parece genuinamente curioso em relação ao que vê pela
janela da sala todos os dias, e de outra forma, acostumado a frieza e
impessoalidade dos homens que entram e saem de madrugada da sua casa – e a
questão da sua homossexualidade serve como bom elemento de aprofundamento, já
que, por um lado não toma tempo do objeto principal, surgindo perifericamente,
e por outro, ainda denuncia diversas características suas, como a astúcia, a
solidão, a carência e a aquiescência, tornando mais fácil entender porque
aquele homem tímido, polido e reservado permitiu que tamanha invasão de seu
espaço pessoal ocorresse.
Já Smith mergulha com a
facilidade habitual nas roupas esfarrapadas e encardidas de Miss Shepherd.
Fugindo das composições que a consagraram como a mais respeitada e aclamada
atriz da Inglaterra - equivalente de Meryl Streep por lá -, a Dama, a não ser
por um único momento específico, se despe das costumeiras posturas imponentes e
dicções cortantes que suas “ladys” costumam ter, lembrando em nada sua Violet
Crawley de Dowton Abbey ou a Professora McGonagall de Harry Potter, papel que a
carimbou no imaginário popular. Suas falas aqui são continuas e um tanto
aéreas, seus modos, brutos, e mesmo sua expressão parece não encontrar sempre
uma alternativa para a carranca de desaprovação. O que, aliás, faz com que seja
percebido de imediato sempre que sente-se feliz com algo, já que nesses raros
instantes, não se poupa de exibir um largo sorriso.
É Bennett em pessoa, então, o
nome menos elogiável da produção, ainda que, como apontado antes, possua sua
parcela de acertos. O autor poderia facilmente, por exemplo, ter limado a
participação do personagem do ótimo Jim Broadbent, que por mais que seja sempre
um intérprete cativante, vive uma figura tola e contornável, que surge aqui e
ali apenas para arruinar o ritmo e o tom da narrativa, prometendo uma ameaça
que jamais se concretiza, e servindo afinal para oferecer uma explicação que já
seria deduzida de qualquer forma. Do mesmo modo, as intervenções do eu escritor
de Alan começam a soar repetitivas em certa altura, como se o roteirista
sentisse que precisa preencher o arco dele mesmo com alguma atividade enquanto
desenvolve o de Shepherd, mais complexo e povoado de acontecimentos – o que
denota no mínimo certo egocentrismo, que se comprova quando ele resolve aparecer
como o próprio Alan Bennett dentro da trama, exercitando o que Deadpool chamou
recentemente de “quebrar a 16ª parede”. São recursos fáceis, que volta e meia
funcionam e dinamizam o andamento de A
Senhora da Van, mas que revelam suas fragilidades com a mesma facilidade,
quase comprometendo o projeto como um todo.
NOTA: 7/10
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