quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O CINEMA DIZ: #ELENÃO - Nº 1


Criado por mãe e avó, Glauber Cruz, o meu convidado desta primeira postagem do projeto O Cinema Diz: #EleNão, é cinéfilo desde pequeno. Atualmente é estudante de Jornalismo na UFRGS e autor da publicação Construtor, na qual se aventura em palavras de resistência. O filme que ele escolheu para refletir sobre os riscos que estamos correndo hoje foi o emblemático A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg, vencedor de 7 Oscar, incluindo Melhor Filme.

A Lista de Schindler e a importância de lembrar a nossa própria História

Uma das cenas de A lista de Schindler mostra um professor de História em uma fila de seleção. Definido como “não essencial”, o professor é encaminhado para a fila daqueles cujo conhecimento adquirido ao longo da vida não é de utilidade prática para os alemães, podendo assim ser facilmente descartado. Ele então é encaminhado para outra fila, a fila do abismo, para a qual vão aqueles que, envoltos por uma “não essencialidade” seriam engolidos pela máquina totalitária e assassina do nazismo. O professor acaba sendo salvo a tempo por Itzhak Stern, personagem encarnado por Ben Kingsley, e o que fica no espectador é o alívio pelo seu destino e a perturbação em torno da marca de “não essencial” carimbada sobre a História.

Hoje, no que diz respeito ao horror perpetrado por Adolf Hitler, a Alemanha caminha no sentido contrário e vê a História como algo essencial e inerente à experiência humana. Essa é uma das maiores motivações de A lista de Schindler: mostrar para que nunca sejam esquecidos (tampouco relativizados) os horrores de um passado que está logo ali atrás. E é por isso que acredito que o filme é uma forma de dizer não a Jair Bolsonaro.

Afinal, não o fazê-lo é seguir no caminho oposto. É carimbar sobre a história o terrível selo de “não essencial” e esvaziá-la de sua importância na formação de uma nação. Não conhecer a própria história é um perigoso precedente. Especialmente nesses tempos de crises, onde caminhamos pela rua com medo, nos deparando em cada esquina com uma violência que parece não ter fim. Num cenário tal, olhar para trás e não ver nada, imaginar-se como um fruto do aqui e agora, pode ser um afago na nuca do fascismo. Olhar para trás e não ver nada dá chance aos discursos enfurecidos, embasados por soluções fáceis e simplistas para problemas profundos. Profundos e históricos.

Como na Polônia retratada em preto, branco e sombras por Steven Spielberg, o ódio cresce abraçado ao medo que as pessoas estão de tudo e de todos. Começa então o processo de radicalização, de agressão, de segregação. O risco de se ter um Jair Bolsonaro governando o país é justamente a explosão desse coquetel: medo, ódio, soluções fáceis, esquecimento. A mesma explosão que fez uma nação inteira seguir o rastro de desumanidade de Adolf Hitler, um ditador eleito pelo povo.

Nesses tempos virtuais nos quais os direitos humanos são atacados veementemente, que se cogita a alternativa de que o nazismo é uma ideologia de esquerda, que o próprio holocausto é questionado como se fosse uma fake news qualquer, o resultado pode ser catastrófico para a nossa jovem e fraturada democracia.

Na percepção dos seguidores de Bolsonaro, comparar o clima atual do Brasil com a Alemanha nazista é o auge da histeria esquerdista. Mas é difícil não criar paralelos, principalmente quando a chapa que encabeça as pesquisas acena com nostalgia para a Ditadura Militar e que vê na figura de generais torturadores a silhueta de heróis. Os (autodenominados) profissionais da violência cheiram a intolerância e ao descaso com tudo aquilo que é, na sua torta percepção, “desajustado”. Nas entrelinhas, o seu discurso significa eliminação. Eles querem acabar com isso daí.

Olhemos para trás, para a nossa história. Em suas três horas de duração, é o que A lista de Schindler mais fala: não deixemos as atrocidades que mancharam de sangue o nosso passado façam o mesmo com o nosso presente. E muito menos o nosso futuro.

#EleNão, para impedir que a violência seja combatida com mais violência, para que a intolerância não vire a espinha dorsal de nossos dias, para que os direitos de ir e vir sejam mantidos e para que ninguém seja julgado, atacado ou eliminado pelo simples fato de existir.

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Entenda o que é e porque existe o projeto O Cinema Diz: #EleNão, em que convidei várias pessoas para escolher e escrever sobre um filme que converse com a nossa situação política, no intuito de refletir e ilustrar os riscos que estamos correndo.


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