quarta-feira, 26 de setembro de 2018

CRÍTICA: UM PEQUENO FAVOR



Um Pequeno Favor traz não só os clichês, mas diversos maneirismos e ainda a estética pobre e caricata das novelas televisivas. Tem romances proibidos, incestuosos, cenários e figurinos glamourosos, assassinato, personagens que voltam dos mortos, traições, gêmeos malignos, sexo fetichizado, gente falando sozinha para expor a trama e diálogos artificiais ao extremo. É como se Pretty Little Liars atropelasse Garota Exemplar. Entretanto, Um Pequeno Favor também é um filme dirigido por Paul Feig, que depois do excelente Missão: Madrinha de Casamento, lançou o mediano, mas divertido As Bem-Armadas, o hilário A Espiã que Sabia de Menos e o revigorante Caça-Fantasmas. Já confortável, portanto, conduzindo comédias, Feig abraça o novelesco sem, com isso, deixar de levar a sério ou caçoar dos personagens e suas motivações, o que confere peso narrativo a toda essa divertidíssima breguice.



Adotando o vlog de Stephanie (Anna Kendrick) como fio guia da narrativa, o roteiro, adaptado do livro homônimo de Darcey Bell, segue a jovem mãe solteira e suas “dicas de dona de casa” pelo início da amizade improvável que firma com a estilosa Emily Nelson (Blake Lively), uma vez que os filhos são colegas na escola. A nova amiga é casada com um belo escritor, viciada em trabalho e dona de uma mansão opulenta. Um dia, porém, depois de pedir a Stephanie o favor de buscar as crianças no fim da aula, Emily desaparece.


Filmes de desaparecimento não são novidade, só este ano já foram lançados dois longas excepcionais com o tema: Sem Amor e Buscando. Mas ao contrário, por exemplo, do que acontecia em Garota Exemplar, típico thriller fincheriano que nos fisga pelo desafio intelectual do mistério intrincado que é centro da narrativa, aqui o desaparecimento em si não propõe cenários impossíveis, pistas surpreendentes ou reviravoltas intrigantes. Um Pequeno Favor enxerga, corretamente, que deve se sustentar nas duas protagonistas. Afinal, como já apontei no início do texto, a trama envolve por demais elementos forçados e implausíveis para que mantenham, sozinhos, o interesse do público. Nesse caso, é mais fácil para a audiência manter a suspensão de descrença trabalhando se o principal interesse for outro.


E Anna Kendrick e Blake Lively compreendem que são responsáveis pelo carisma do projeto. A primeira, em especial, entrega a princípio um humor alto-astral, sorridente e exageradamente afetuoso digno de uma vlogger experiente - quem trabalha com essas mídias de amplo alcance, sabe que quase sempre é preciso inventar um “personagem” encarnado toda vez que se liga o REC da câmera ou o ON do gravador. É uma maneira de conquistar um público mais generalizado, alcançando o espectador médio e não tão sofisticado na sua estrutura intelectual e bagagem cultural. Em outras palavras, trata-se de uma postura e personalidade mais acessíveis. Kendrick entende que, quem vive nesses meios, acaba incorporando esse personagem como regra de sua própria personalidade, sendo divertido notar que, mesmo quando contrariada ou expressando opiniões que nada têm de engraçadas, Stephanie não consegue desfazer o sorriso, se conter em pontuar as falas com bobices e nem de emoldurar tudo o que diz com risinhos ensaiados.


Isso, claro, acaba se diluindo um pouco na condução mais novelesca de Paul Feig, que constrói uma atmosfera colorida e caricata que disfarça as artificialidades da moça, e logo, também, um pouco do esforço de Anna Kendrick. Mas não é nenhum tropeço muito grave, já que, a partir da metade do longa, quando Stephanie começa a se entregar mais a sua própria personalidade, o contraste surge em retrospecto. Já Blake Lively parece se divertir horrores na pele de Emily, que oscila curiosamente entre a dissimulação extrema e a brutal honestidade - além de investir numa postura que por vezes se configura como elegância, e em outras como ameaça. O que a diferencia também de Stephanie, mais prática com uma bolsinha sempre atravessada no tronco, indicando os costumes de uma mãe solteira que tem de se virar em dez.


O magnetismo da dupla é tão grande que conseguem de forma eficiente diminuir algumas fragilidades de roteiro e da própria condução do projeto. Ainda que, alguns tropeços acabem tirando o espectador um pouco da aura criada pelo filme, por exemplo: a motivação do mistério, centro da história, é esquecida no terceiro ato, deixando aquele ar de “pra que tudo isso mesmo?”; quando um personagem se coloca no meio da rua, já conseguimos prever que ele será atropelado comicamente (soou estranho, mas é um clichê), e claro, ele é. Além disso, por mais que se entre na proposta caricata e absurdista do filme, como ignorar a polícia não ter ido investigar o local de trabalho de Emily vários dias depois de ela já ter desaparecido, se ela sumiu justamente em função do trabalho? Sem contar que Feig não é muito feliz ao criar estereótipos de homens gays, alternando entre um pai adotivo fofoqueiro e duas-caras, e um estilista blasé, afetado e arrogante.


São coisas que se desconsideram, tendo em vista a “cara” de teledramaturgia barata do filme, mas que não deixam de pinicar aqui e ali. De qualquer forma, no geral, Um Pequeno Favor é mais um acerto de Paul Feig. Se não nos faz gargalhar como em alguns de seus projetos anteriores, é porque faz certa força para se levar a sério, sendo, ainda assim, divertido e instigante do primeiro ao último vídeo de Stephanie.


Nota: 8/10


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário