domingo, 3 de abril de 2011

RANGO

TRAILER RANGO HD


     Em um "mundo" dominado pela Pixar, as vezes surge aqui e ali uma animação capaz de desafiar em qualidade técnica e narrativa esta grande fábrica de sonhos responsável pelos maiores sucessos da animação dos últimos anos. Eis que em meio há um terreno árido surge com imponência este exemplar de nome... Rango.
     O responsável pelo diferente e encantador O Ratinho Encrenqueiro, pelo tenso e assustador O Chamado e ainda pela trilogia Piratas do Caribe, Gore Verbinski acrescenta aqui mais um estilo e gênero a sua filmografia, uma animação de western. E a Pixar que se cuide este ano, pois esta primeira animação da Industrial Light & Magic não deixa nada a desejar dando vida com perfeição aos estranhos personagens vistos em tela. 



     Depois de ser arrancado de sua monótona vida, um pequeno camaleão se vê em uma cidadezinha no meio do deserto habitada pelas mais variadas e hostis criaturas, que são assoladas pela falta de água naquele ambiente inóspito. Tendo em vista que é um desconhecido por aquelas bandas o nosso protagonista encarna então um personagem que chama de Rango. Um xerife durão e cheio de boas intenções que está disposto a desvendar o mistério que envolve o desaparecimento de água, para isso conta com a ajuda de cidadãos esquisitos e de um revólver que pode até ter uma bala só, mas que está inteiramente carregado de referências cinematográficas. Referências estas que vão da ficção científica nos desenhos feitos no ar pelo camaleão que incluem naves de Star Wars, até a musicais na cena em que ele finge uma interação com um pedaço de Barbie, claramente tirado de Cantando na Chuva. Tudo isso é conduzido por Verbinski que nunca deixa a peteca cair sempre mantendo no filme a originalidade do projeto.



     Nos remetendo aos Western Spaghetti de Leone o filme nos leva em uma aventura alucinante que pode deixar vários baixinhos para trás na trama, mas que com certeza vai agradá-los nas muitas cenas de ação, em particular a perseguição com morcegos no desfiladeiro que é ótima. Tendo todos os seus aspectos técnicos perfeitos, vide a fotografia que é belíssima dando o clima certo para cada momento do filme, evocando a solidão de uma noite no deserto até a derrota humilhante a luz de um por do sol vermelho, Rango ainda foge de se tornar mais uma produção visualmente bela mas com uma história fraca, trazendo questionamentos profundos e filosóficos sobre a criação e a vida dos nossos heróis e personagens amados. A cena em que Rango atravessa uma estrada enquanto vários carros quase o atropelam é a metáfora visual perfeita para aquele personagem que passa pela vida cheia de perigos e desafios que nunca se concretizam, e não é por acaso que ao chegar do outro lado, ele caia se rendendo, desistindo, não por estar cansado de lutar, mas porque nunca teve pelo que viver, sendo assim inútil continuar a ficar de pé, vivo. E menos por acaso ainda é a cena seguinte em que ele acorda e se depara com ninguém mais ninguém menos que o próprio homem sem nome, o personagem que ganhou vida e virou ícone na pele de Clint Eastwood, e que serve de referência para Rango já que ele próprio jamais tem seu verdadeiro nome revelado durante a trama, e nem teria porque, já que como um ator, um camaleão que tem que virar outros, sua identidade original pouco importa. E nesta mesma cena se completa outra metáfora perfeita, quando o homem sem nome manda nosso protagonista de volta a sua batalha, afinal ai esta o conflito do camaleão, ele não tem que salvar uma cidade da seca, ou uma donzela dos vilões, o conflito dele é encarnar um personagem que tenha este tipo de conflito, o desafio dele é conseguir ser o personagem que criou, é ser o Rango. E pra completar temos a maior referência cinematográfica do filme, que não faz menção a nenhum filme específico e sim a indústria cinematográfica, afinal se com Rango temos um ator que só assume seu personagem na pequena cidade chamada Poeira, então temos ai também um Set de filmagens, afinal é somente lá que ele vira o personagem, é só lá que ele tem conflitos fantásticos e impossíveis e é só lá que as lendas e mitos do Oeste, os pistoleiros e seus duelos se fazem concretos, logo fora de Poeira o lagarto é como um ator desempregado, sem ter desafios a enfrentar, completando assim a última e maior metáfora do filme. 



      E se o filme todo é um "filme" dentro do filme, só falta então dizer aonde nisso tudo fica a trilha sonora que nos filmes de Leone eram tão marcantes principalmente por serem conduzidas pelo mestre Ennio Morricone. Pois ela esta lá, e acompanha fisicamente o lagarto durante toda sua trajetória, provando que aquele deserto é uma metáfora à um Set de filmagens. Representada por um quarteto de corujas Mexicanas sempre deprimentes que sempre estão prevendo a morte iminente do protagonista, a trilha que na nossa realidade é composta pelo gênio Hans Zimmer não fica para trás nem nas qualidades técnicas do filme nem nas referências que estão muito bem distribuídas ao longo do filme, estas passam pela música tema de Arizona Nunca Mais dos Irmão Coen, por uma versão de banjos de A Cavalgada das Valquírias em uma cena de ataque que sempre se remete a Apocalipse Now, até a bem discreta inserção do tema de gaitas do personagem Harmônica de Era uma Vez no Oeste, outro clássico de Leone.
     Falar dos personagens individualmente é desperdiçar palavras já que estes são muitos e todos igualmente interessantes em seus estereótipos e peculiaridades, sendo os melhores deles claro o protagonista Rango, que com seu jeitão esquisito e olhos grandes mas ao mesmo tempo miúdos é muito carismático e memorável, e também tem o grande vilão da história Jake Cascavél, que recebe todo o visual de Angel Eyes de Três homens em Conflito (também de Leone) que evoca o espírito do mito dos pistoleiros sem lei que tornava aqueles clássicos tão mágicos.



     Homenageando a torto e a direito, mas sem nunca deixar de lado a história que está contando para isso (em certa cena se fazem três menções seguidas), Rango é não só um ótimo exemplar de animação, mas também uma produção incrível que supera muitas outras live action que vem sendo lançadas por ai. Com diversão garantida pra molecada, tendo uma história interessante para os mais crescidos e ainda dando de presente para os cinéfilos uma homenagem cinematográfica cheia de metáforas fantásticas, o filme chega como um forasteiro nestas bandas e desafia os pistoleiros que mandam na área pra um duelo, e sem decepcionar, nos mostra que é rápido no gatilho e dispara diversão, menções e ótimas sacadas pra todo lado.


NOTA 10/10

    
                           

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