De certa forma, este A Hospedeira não chega a ser um desastre como são
os cinco filmes da famigerada "saga" Crepúsculo, já que vez ou outra
apresenta momentos e ideias interessantes -ou pelo menos, não tão esdrúxulas
quanto aquelas presentes em outras obras adaptadas de livros da dita escritora
Stephenie Meyer. Mas, por outro lado, ainda é um filme cuja trama principal floresceu
na mente da criadora de Bella e Edward, e traz consigo todos os vícios e
inércias narrativas da autora. Da frágil e independente protagonista dividida
entre dois rapazes musculosos, aos vilões fracos e muitas vezes, risíveis, A Hospedeira se mantém fiel ao nível de
criatividade de Meyer e falha como ficção-científica, erra feio o alvo no
romance e pouco é expressivo na hora de fazer rir, ainda que ajuste bons
conceitos para desenvolver um longa que explorasse qualquer um destes gêneros.
O planeta Terra foi invadido por uma raça alienígena parasita que se
chamam de "almas". Pregando a convivência pacífica e harmônica, as
tais criaturas apossam-se de corpos humanos, implantando neles a sua
personalidade e suprimindo as que antes ali existiam. Melanie (Saoirse Ronan),
uma das últimas humanas resistentes, acaba sendo capturada e tendo seu corpo
assumido pela Peregrina, uma alma milenar que tem o dever de explorar suas
lembranças afim de descobrir o paradeiro de outros humanos rebeldes. Resistindo
a invasão, Melanie passa a coabitar seu próprio corpo com Peg, fugindo para a
base de resistência humana no deserto, aonde vai reencontrar seu namorado
Jared (Max Irons), seu irmão Jamie (Chandler Canterbury) e onde Peg vai iniciar
uma síndrome de Estocolmo com Ian (Jake Abel)... Ok, ok, onde Peg vai se
"apaixonar" por Ian. Tudo isso enquanto foge da Perseguidora (Diane
Kruger), uma vilã sem sal, mas que ainda sim, é a personagem mais interessante
do longa.
Uma das primeiras coisas que acontecem com Melanie/Peg quando chegam à
caverna que serve de base para os sobreviventes humanos, é sofrer um atentado a
sua vida por parte de Ian, que tenta estrangulá-la até a morte e por quem a
garota, obviamente, se apaixona na sequência. Não preciso dizer que outra
protagonista tem propensão a apaixonar-se por dois garotos ao mesmo tempo, os
dois sendo tipos perigosos e letais, e também opta pelo suicídio em dois momentos de
um filme, certo? ...Cof cof, Bella. Não que estes elementos, quando bem
trabalhados (e eles não são), não sejam interessantes, mas a trama consegue
copiar Crepúsculo até mesmo nos vilões. Sendo um grupo bem
organizado e perigoso que na verdade não oferece ameaça alguma, os tais
perseguidores são inexpressivos como obstáculo já que a causa de tanto temor por
parte dos humanos nunca é mostrada. De fato, a sequência onde dois
rebeldes encurralados decidem cometer suicídio para não serem pegos, soa tola, pra não dizer estúpida, já
que ao invés de provocar a simpatia do espectador, ela desperta sua irritação,
tendo em vista que fugir dos captores ainda era uma opção.
Assim sendo, a personagem que mais cativa é a Perseguidora, que Diane
Kruger encarna com convicção e energia mesmo que entregue a um papel ingrato,
já que o conflito da vilã, que pertence a uma espécie pacífica, mas que é
forçada a usar a força bruta para achar sua presa, podia ser muito melhor
explorado. Em vez disso, a personagem é desperdiçada em todas as boas cenas das
quais participa, como a dos interrogatórios, a da caçada com o helicóptero, aquela
em que rouba uma arma e até mesmo quando é capturada pelos rebeldes, onde podia
ser desenvolvido, ali sim, uma boa relação envolvendo uma síndrome de
Estocolmo.
Uma pena para Sairose Ronan, que não é má atriz, mas que pouco tem a
fazer com Melanie ou Peg, tendo em vista que as duas também não se diferem
tanto assim. E não fosse Ronan investir em entonações de voz completamente
diferentes ao assumir o papel de uma ou outra, confesso que seria difícil
diferenciá-las apenas por suas personalidades. Aliás, a colocação do voice over por parte do departamento de som
merecia um puxão de orelha, tamanha a falta de cuidado com o resto da mixagem
que se apresenta a cada vez que Melanie diz algo de dentro de seu próprio
corpo, quando então os outros sons simplesmente somem momentaneamente,
assemelhando-se as mutilações feitas pela dublagem brasileira em certos filmes. O que é uma falha irritante, já que é um longa de duas horas que
se baseia na sua protagonista conversando sozinha o tempo inteiro.
Mas os problemas técnicos não param no som, já que montagem e fotografia
fazem escolhas duvidosas, como ao aplicar uma espécie de filtro Instagram nas
sequências de flashback da garota, com um campo de foco selecionado na
pós-produção e não durante a filmagem, o que pode representar muito bem uma
lembrança onde apenas o acontecimento central é lembrado e não os detalhes em
volta, mas também pode ser um serviço preguiçoso e amador, ainda mais tendo em
vista que o fotógrafo Roberto Schaefer já havia optado por uma palheta em tons
de sépia, que sozinha já fazia o serviço. De outro modo, a montagem de Thomas
J. Nordberg não confere ritmo algum ao primeiro ato, deixando-o trôpego e
truncado, pulando de situação em situação como que por obrigação, não estabelecendo
relação alguma de fluidez, que não seja a narrativa, entre as sequências tensas
no presente e as melancólicas lembranças de Melanie.
Tão pouco o longa consegue estabelecer que tipo de filme quer ser. Às
vezes tenta ser uma ficção científica existencialista: Neste ponto a cena entre
a protagonista e seu irmão em uma caverna repleta de vagalumes que imitam o céu
noturno é admirável, não só como elemento de desenvolvimento, mas também como
visão intimista dos dois irmãos. Em outra parte, tenta emplacar um romance
enfadonho: Todas as sequências que tentam inutilmente aprofundar a
relação entre os casais são ineficientes, devido a uma falta de carisma absurda
por parte de Irons e Abel, nunca nos fazendo importar com qualquer que sejam os
destinos amorosos de seus personagens. Ou melhor, sejamos francos, nunca nos
importamos nem sequer com a segurança dos mesmos, já que ambos seriam
completamente dispensáveis a trama caso não representassem um importante dilema
para Melanie e Peg. Mas o fato é que o longa não consegue se manter em pé sobre nenhuma
das premissas, e as deixas interessantes que cria ao começo do filme se perdem
com o seu arrastado passar, enquanto perdemos as esperanças de que "coisas
legais" realmente sejam mostradas.
E não que elas não estejam lá. A concepção das tais "almas",
por exemplo, é interessante e curiosa, enquanto o design de produção investe em
cidades e ambientes baseados em cores claras e no prata e também na organização
meticulosa de objetos de cena, que ressaltam a esterilização de seus habitantes
de maneira eficiente, do mesmo jeito os campos de trigo subterrâneos e sua
funcionalidade são cativantes enquanto tomam centro da explicação de certo
personagem. Mas até que ponto escolhas acertadas aqui e ali podem fazer de A Hospedeira um filme tragável? Ao menos desta vez
Meyer deu vida a uma personagem coerente, mesmo que tão desinteressante quanto
sua insossa Bella.
NOTA: 4/10
kkkk é tão engraçado como críticos de cinema e leigos como eu podem ter opiniões tão diferentes sobre a mesma obra, né? Eu amei o filme porque achei que ele conseguiu ser fiel ao livro, dentro de suas limitações, e como o livro é maravilhoso e intenso, me dei por satisfeita.. hehe
ResponderExcluirBeijos, Mi
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