sexta-feira, 19 de outubro de 2012

AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL


     Eu não fui um garoto muito popular no colégio, o que nunca me impediu de ser feliz e ter bons amigos. Já gostei e desgostei de muita gente, e muitas pessoas já gostaram e desgostaram de mim. E reformulando a frase original pronunciada por alguém no decorrer do filme: "a gente aceita o amor que acha que merece", eu diria, "a gente aceita a vida que acha que merece". Talvez por me identificar com seus protagonistas, talvez por testemunhar astros mirins que não se prenderam aos estigmas dos personagens que lançaram seus nomes, entregando performances notáveis, ou simplesmente porque ao som de Heroes do David Bowie, eu realmente tenha me sentido na traseira daquela picape, de braços abertos e sendo infinito, o fato é que ao fim de As Vantagens de ser Invisível eu estava emocionalmente exausto, mas ainda assim, querendo sair dali e ir direto ler a obra original, o que para qualquer filme adaptado de um livro é um ótimo sinal.



     Recém saído de uma internação psiquiátrica, Charlie (Logan Lerman) tenta aos poucos voltar para sua vida de calouro no ensino médio durante o início do ano letivo. Ainda traumatizado com a recente perda de um amigo e sem nenhum outro com quem conversar o garoto logo se vê deslocado da sociedade escolar, tendo em seu professor de inglês, o senhor Anderson (Paul Rudd), o mais próximo de um afeto. Porém, Charlie logo se depara com os dois meios-irmãos Patrick (Ezra Miller) e Sam (Emma Watson) que parecem fazer parte de um grupo de "deslocados" populares entre si por serem quem são independentes de estilo, opção sexual ou hábitos estranhos. E o que poderia se tornar um filme clichê sobre "ser você mesmo" logo supera esta fase e se mostra uma jornada de auto descoberta e aprofundamentos na mente de um adolescente, que aos poucos, começa a ter noção da efemeridade de sua juventude e das relações presentes nela.


     Roteirizado e dirigido pelo próprio autor do livro homônimo do qual é adaptado, Stephen Chbosky, o filme ainda conta uma história baseada na adolescência do mesmo, ou seja, é uma obra quase que totalmente autoral no sentido de que é dê e fala sobre uma única persona. Admito que enquanto escrevo este texto ainda não terminei de ler o texto original, porém, já percebi pelo que desbravei de suas páginas até então, trata-se de uma espécie de semi-auto-biografia onde o "autor" mudou o nome dos personagens para que não fossem reconhecidas suas verdadeiras identidades. O que também é transposto para as telas por Chbosky ao iniciar o longa mostrando Charlie escrevendo sobre sua própria rotina, a contagem regressiva para o fim de sua épica jornada letiva, ou mesmo sobre seus amigos e como vários deles apreciam sua escrita e o incentivam a se tornar um escritor. E ao analisarmos isto, a rápida aparição em meio à montagem do filme de um trabalho escolar do garoto sobre Na Estrada de Jack Kerouac, não surge como uma referência vazia do realizador a um autor conceituado, e sim como uma pequena homenagem a um que claramente foi uma inspiração para o seu trabalho.


     E eu disse "quase autoral" no parágrafo acima porque, além do óbvio, cinema não se faz sozinho mesmo que você cubra as principais funções na criação de uma história, também porque boa parte dos méritos deste As Vantagens de Ser Invisível não se prende somente a direção, ao roteiro ou a trama em si, e sim aos seus personagens e as maravilhosas performances que ganham de jovens atores de ponta, prontos para se desprenderem de papeis mais famosos que os lançaram na indústria. Por exemplo, nos fazendo esquecer de sua participação nos patéticos Gamer, Percy Jackson e Os Três Mosqueteiros, Logan Lerman vive Charlie de maneira impecável, mantendo os braços junto ao corpo e o pescoço encurvado. O garoto demonstra fisicamente não ser alguém com muitas habilidades sociáveis, principalmente em suas expressões onde Lerman investe em retorcer a boca e puxá-la para os cantos como se alongasse os músculos que o ajudarão a falar, mostrando assim não só quanto tempo Charlie passou sem dizer algo para qualquer um, como também reforça o nervosismo do personagem que precisa de um "aquecimento" para poder falar com outra pessoa. E depois do plano em que o acompanhamos entrando no ritmo de uma dança em um baile da escola, é impossível não simpatizar e comprar o jovem como nosso protagonista. O ator também não esquece que Charlie é extremamente observador em suas narrações, e assim mantém os olhos do garoto constantemente movendo-se como a registrar os vários detalhes que o cercam, o que não deixa de reforçar a espécie de autismo com que o menino convive, como se de dentro de sua cabeça ele observasse com receio o mundo selvagem lá fora. Desenvolvendo também um arco performático, Lerman dá a seu personagem movimentos mais confiantes e abertos conforme o longa avança nas novas experiências de Charlie, acompanhadas da voz sempre baixa e contida que o ator emprega.


    Porém, é Ezra Miller quem rouba o filme ao dar vida (e que vida!) a Patrick, um veterano que é obrigado a suprimir um forte sentimento em prol de manter o segredo de seu parceiro, o que ele compensa sendo extremamente alegre e bem humorado. Assim, Miller encontra em Patrick um adolescente enérgico e de discurso positivista, fazendo, por exemplo, do simples ato de abrir um pequeno pacote de presente, um deleite ao fazê-lo com uma alegria que beira o retardamento. Mas é justamente por encontrar o equilíbrio entre este ponto hiperativo e o lado mais humano, reflexivo e melancólico do personagem que Miller entrega a melhor performance do longa. E a cena onde Patrick desabafa um repulsivo fato ocorrido é ainda um dos momentos mais tocantes do filme, que por terminar em um beijo desprovido de qualquer romance enfatiza mais a tragédia emocional enfrentada pelo garoto, ainda que revele um forte laço de amizade entre as mesmas duas pessoas. 


     Já a queridinha Emma Watson ainda carrega consigo alguns de trejeitos de Hermione, como ao perceber que esta certa sobre algo, investir na virada de olhos parar cima e no fechar da boca em um sorriso contido, o que não impede que sua Sam seja adorável e uma personagem completamente nova. Orgulhosa de ser diferente e mostrando a postura forte e confiante de alguém que já passou por inúmeros abusos e os superou, a garota se mostra um ser humano mais crível ao demonstrar uma fraqueza para garotos que se dizem intelectuais, mas que não passam de falastrões que não parecem representar para ela mais do que símbolos masculinos idealizados. O que torna sua relação com nosso protagonista mais interessante ainda, pois vendo em Charlie a imagem da inocência e da ingenuidade, nos poucos momentos de intimidade que divide com o mesmo, a jovem vive através do menino suas experiências como, por exemplo, o primeiro beijo com alguém que o ama, algo do que ela mesma foi privada. Aliás, esta inocência do garoto fica clara ao percebermos que várias pessoas durante o filme lhe confiam algum segredo, seja Patrick, sua irmã Candace (Nina Dobrev) ou em lembranças, sua tia Helen (Melanie Lynskey). Coisas que por mais terríveis e absurdas que possam parecer, são resguardadas a Charlie e seus pensamentos, e destes últimos somente nós, espectadores/leitores podemos desfrutar, o que conclui também minhas duvidas a cerca de quem seria o misterioso "Querido Amigo" à quem o garoto dirige suas cartas. Primeiramente até pensei que este poderia ser Deus, porém, como o menino cita o próprio e demonstra ser pelo menos educado como católico durante o desenrolar da trama, creio que no final, nós sejamos os grandes confidentes de Charlie.


     Quase todo o núcleo de jovens no qual o filme se concentra é formado por indivíduos que possuem alguma diferença ou característica que os tornam destaques na massa escolar. E assim, a identificação de todos eles em algum momento com o musical The Rocky Horror Picture Show também não surge como uma referência perdida e sim como uma ilustração de um ideal comum deste grupo, um que diz que mesmo o diferente e o bizarro podem ser tão, se não até mais, humanos que aqueles outros seres estereotipados nos corredores do colégio. E neste sentido, Chbosky tratar o resto dos alunos como clichês do gênero ao transformar quase todos eles em bullies e intolerantes, é tão eficaz em destacar e humanizar aquele pequeno grupo quanto Spielberg pintar de vermelho o vestido de uma garotinha em meio a uma fotografia preto e branco para fazer o mesmo em A Lista de Schindler.


     E já que toquei na palavra "fotografia", destaco aqui o trabalho do fotógrafo Andrew Dunn que confere ao longa uma estética baseada numa iluminação quente, em luzes amarelo alaranjadas, tungstênio, como as de postes de luz nas ruas, impregnando o filme com este ar nostálgico que ajuda a tornar sua história em algo oriundo de outra década, mas nada muito longe do nosso próprio tempo já que no livro a trama se passa em 1991. O que, aliás, torna a inclusão de elementos como a mixagem de fitas cassetes em antigos gravadores e a constante procura dos personagens por reencontrar uma música que ouviram no rádio (no caso Heroes de David Bowie), elementos plausíveis e que destoam de nossa realidade de maneira sutil, nunca pretendendo fazer desta ambientação de época algo que chamasse mais a atenção do que os próprios personagens. E também é curioso ver um leve soft focus e uma sutil super exposição que conferem uma atmosfera onírica a certos momentos do filme onde Charlie parece estar a vontade ou realizado, como ao ouvir um conselho do Sr. Anderson ou receber um esperado beijo.


     E mostrando uma incrível confiança sobre o filme, Chbosky ainda se dá ao luxo de brincar com as expectativas de seu público ao dar pequenas pistas de vários acontecimentos que poderiam explicar a personalidade de Charlie como a conhecemos. E mesmo quando já achamos que sabemos o que se passou e estamos relativamente satisfeitos com os motivos apresentados pelo roteiro, mesmo que soem batidos, nos é revelado mais uma reviravolta surgida de um simples toque, o que demonstra que o escritor/roteirista/diretor não possui talento apenas para dirigir seus atores, como também para conduzir de maneira cativante o arco dramático de seus filmes.


     Explorando com uma sinceridade incomum seus personagens e suas relações, As Vantagens de ser Invisível termina em um plano do céu noturno que reforça os dizeres de seu protagonista: "Nós somos infinitos". E espero me sentir tão satisfeito quando terminar o livro quanto me senti ao final do filme, o que se depender de Stephen Chbosky ser tão bom escritor quanto se mostrou ser como diretor e roteirista, não deverá ser problema algum.


NOTA: 10/10

3 comentários:

  1. Gente! você escreveu "o mesmo"! Sério?

    Aliás, quem diz "Charlie, a gente aceita o amor que acha que merece" é o Bill, no livro ao menos.

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    1. Desculpe, não entendi a que se refere, pode apontar exatamente onde está o erro em escrever "o mesmo" e em que parte do texto?

      Obrigado, Yuri

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    2. Aliás, se fala da parte em que discuto brevemente "A Lista de Schindler", já li e reli e não existem erros de português no parágrafo.

      Claro, você pode estar apontando um erro ideológico, mas ai a discussão torna-se subjetiva. Ainda que, mesmo assim, não discordaria em dar continuidade a ela aqui nos comentários mesmo :)

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