sexta-feira, 14 de junho de 2013

ALÉM DA ESCURIDÃO: STAR TREK



     Foi com grande sucesso que, em 2009, J. J. Abrams ressuscitou a franquia Jornada nas Estrelas de um limbo nerd cult em que os seriados e filmes haviam caído. Dinâmico, divertido e repleto de figuras carismáticas, Star Trek trazia os personagens clássicos ainda jovens, contando uma história de origem enquanto usava de um artifício da trama para poder tomar todas as liberdades que quisesse, sem que jamais pudesse desrespeitar todo o material já produzido antes. Fazendo escolhas acertadas e contando com um saudosismo que nunca delimitava a criatividade de seus roteiristas (surpreendentemente os mesmos responsáveis por bombas como Transformers 1 e 2), Abrams dirigiu um longa inteiramente satisfatório (o prólogo é um mérito individual que se deve considerar). Eis que quatro anos depois, este Além da Escuridão, vem fazer jus aos elogios de seu predecessor e se mostra um filme que mantém o ritmo alucinante do primeiro, a atmosfera bem humorada e ainda aumenta, sem nunca perder o controle, a escala de sua aventura.

 

     Já atuando como capitão da USS Enterprise, Jim Kirk (Chris Pine) e sua famosa tripulação, o primeiro oficial Spock (Zachary Quinto), Uhura (Zoe Saldana), McCoy (Karl Urban), Scotty (Simon Pegg), Sulu (John Cho) e Chekov (Anton Yelchin), partem em busca do criminoso John Harrison (Benedict Cumberbatch) responsável por dois ataques terroristas contra a frota estelar. Mas em meio a sua missão, descobrem que os fatos que cercam este letal inimigo, não são exatamente o que lhes contaram.


     Ok, é verdade que J. J. Abrams soa sempre como uma criança descontrolada quando usa e abusa dos flares em seus filmes, e não diferente de seus outros trabalhos eles marcam presença aqui também. Porém, na franquia Star Trek, é o único momento em que as tais "luzinhas" não soam deslocadas ou mesmo atrapalham a visita do espectador àquele universo fantástico criado quase que inteiramente a partir de ótimos efeitos visuais. As batalhas entre as gigantescas naves, uma travessia perigosa em meio a destroços e as perseguições tanto a pé quanto em pleno ar, são provas do bom uso dos recursos digitais. E tudo fica ainda mais épico ao som da trilha brilhante do (sempre ótimo) Michael Giacchino, que traz de volta o tema criado no filme anterior e não se esquece de embalar os créditos finais com o tema clássico do seriado. Créditos estes que, aliás, novamente são um espetáculo a parte que merecem ser conferidos.
  

     Uma das coisas que mais me agrada nesta retomada de Jornada nas Estrelas (eu sei que a moda é falar Star Trek, mas soa repetitivo, não?), é a capacidade de Abrams e seus roteiristas de conseguirem contar a sua própria história sem nunca esquecer de respeitar e homenagear suas origens. Assim, os famosos "red shirts", que no seriado eram conhecidos por serem quase figurantes que desciam com parte da tripulação da Enterprise em algum lugar para explorar e acabavam sofrendo algum acidente ou morrendo, uma gag que virou piada até mesmo dentro da mitologia da série, aqui não são deixados de lado em uma sequência que se passa no planeta Kronos, lar dos Klingons. Os próprios Klingons na verdade já são uma homenagem em si. Em outro momento, Sulu é posto como capitão temporário da Enterprise, o que remete diretamente a Star Trek VI, onde o personagem tinha sua própria nave para comandar. Já em outro momento, durante o clímax, é recriado quase que exatamente uma cena dramática de Star Trek II: A Ira de Khan, sem contar [SPOILER] um grito famoso que aqui é proferido não por Kirk, e sim por Spock (Khaaaaaaan!!!). E já que estou dando spoilers, ai vai: sim, a verdadeira identidade do personagem de Benedict Cumberbatch é o famoso humano geneticamente modificado Khan, que é considerado o maior vilão da franquia [FIM DO SPOILER].


     Agora, é preciso ser um entendedor do universo Trekkie para entender ou gostar de Além da Escuridão? Não, claro que não. Não era preciso no Star Trek de 2009 e tampouco é necessário agora. O filme empolga, diverte, emociona e cativa qualquer espectador e muito disso se deve em parte às sequências de ação dirigidas com maestria e energia (Sim! A câmera sob o comando de Abrams parece exalar uma pura energia contagiante), com planos sempre em movimento, cortes rápidos e sem medo de explorar ângulos inclinados que, diferentemente da maioria das produções que investem nestes enquadramentos, aqui são justificados pela própria constante instabilidade da gravidade, os divertidos e inventivos desafios enfrentados pela tripulação da Enterprise são acompanhados por um espectador totalmente imerso em sua lógica interna. Em especial, todo o clímax do longa é um destaque. Porém, é inegável que tais cenas e situações não seriam tão cativantes caso fossem protagonizadas (e também antagonizadas) por personagens desinteressantes, então se boa parte da mágica do filme está nas mãos de Abrams, a outra é responsabilidade do competente elenco que conta até mesmo com Peter Weller, o eterno Robocop, como uma figura importante em sua trama.


     Chris Pine volta a encarnar Kirk com a displicência e o bom humor habituais, sabendo também transparecer o estresse do personagem, que põe seus ideais de amizade e boa conduta em conflito com a ânsia por vingança experimentada pelo capitão neste capítulo. O que torna os costumeiros embates entre ele e Spock ainda mais interessantes. Aliás, Quinto também retorna ainda mais afinado com a personalidade do famoso integrante Vulcano da Enterprise, desta vez passando por questionamentos a cerca da morte, e os sentimentos que implicam lidar com a mesma, o que, levando em conta os acontecimentos do filme anterior, é apenas lógico (sim, isso foi uma piadinha, quem entender ria, por favor). Já Saldana, Cho, Yelchin e Urban voltam a interpretar seus respectivos Uhura, Sulu, Chekov e McCoy com competência, ainda que seu tempo em tela nos permita ver menos de suas performances do que gostaríamos, sobrando mais para o sempre ótimo Simon Pegg, cujo Scotty ganha uma participação maior e mais divertida. E é de se apontar a ótima química criada e mantida entre todos os atores.


    Enquanto isso, o vilão interpretado por Cumberbatch é, surpreendentemente, menos verborrágico do que o esperado, tendo em vista a escolha do ator para o papel. Seu John Harrison é um antagonista cuja postura rígida e movimentos rápidos e letais são a maior força da presença do personagem em cena, sempre imponente. Ainda que, sim, seus diálogos sejam impregnados com uma intensidade que quase beira o over acting por parte de Cumberbatch, que felizmente sabe manter o vilão sob controle. E quando a raiva transparece nas feições de seu personagem, acreditamos sem nenhuma dúvida em seus sentimentos e da força de vontade presente neles, e assim, aprendemos a temer o antagonista. E não bastassem seus bons intérpretes, Harrison e o Almirante Marcus (Peter Weller) ainda ganham papeis que permitem leituras políticas interessantes. Afinal, um terrorista que ataca um prédio em uma grande metrópole usando de meios internos do próprio lugar (no caso, um oficial da frota estelar), é sem dúvidas uma alusão ao onze de setembro. Ainda mais quando em outro momento, o mesmo personagem, de fato, ilustra essa referência ao jogar uma aeronave contra não um, mas uma boa quantidade de prédios em uma cidade. Enquanto isso, Marcus, manda caçar e matar sem julgamento um criminoso exilado em um país inimigo, mesmo tendo em vista a alta possibilidade de com isso iniciar uma perigosa guerra, em outra clara referência aos eventos pós os ataques ao World Trade Center. E o fato de a tal cidade no filme não ser Nova York (Até que um dia a Dona Liberdade se salvou), e sim Londres, torna a discussão ainda mais aberta devido aos próprios ataques que o metrô da cidade sofreu em 2005.


     Assim, é de se aplaudir de pé que Abrams consiga divertir enquanto conta uma história composta por um fundo político sério, ao mesmo tempo em que homenageia e referencia um universo já representado por diversos filmes e séries, sem nunca desrespeitar nada do que qualquer um deles tenha dito antes, e pra coroar, completa o seu magnífico trabalho ao fazer de Além da Escuridão: Star Trek um filme que simplesmente qualquer um poderia sentar, ver, entender e gostar, apesar de toda esta carga que acabei de citar. Os fãs de Star Wars podem ficar tranquilos, pois sua franquia está em competentes mãos, o desafio agora é Abrams conseguir superar a si mesmo neste incrível trabalho.


NOTA: 10/10



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