Foi com grande sucesso
que, em 2009, J. J. Abrams ressuscitou a franquia Jornada nas Estrelas de um
limbo nerd cult em que os seriados e filmes haviam caído. Dinâmico, divertido e
repleto de figuras carismáticas, Star
Trek trazia os personagens
clássicos ainda jovens, contando uma história de origem enquanto usava de um
artifício da trama para poder tomar todas as liberdades que quisesse, sem que
jamais pudesse desrespeitar todo o material já produzido antes. Fazendo escolhas
acertadas e contando com um saudosismo que nunca delimitava a criatividade de
seus roteiristas (surpreendentemente os mesmos responsáveis por bombas como Transformers 1 e 2), Abrams dirigiu um longa
inteiramente satisfatório (o prólogo é um mérito individual que se deve
considerar). Eis que quatro anos depois, este Além
da Escuridão, vem fazer jus
aos elogios de seu predecessor e se mostra um filme que mantém o ritmo
alucinante do primeiro, a atmosfera bem humorada e ainda aumenta, sem nunca
perder o controle, a escala de sua aventura.
Já atuando como
capitão da USS Enterprise, Jim Kirk (Chris Pine) e sua famosa tripulação, o
primeiro oficial Spock (Zachary Quinto), Uhura (Zoe Saldana), McCoy (Karl
Urban), Scotty (Simon Pegg), Sulu (John Cho) e Chekov (Anton Yelchin), partem
em busca do criminoso John Harrison (Benedict Cumberbatch) responsável por dois
ataques terroristas contra a frota estelar. Mas em meio a sua missão, descobrem
que os fatos que cercam este letal inimigo, não são exatamente o que lhes
contaram.
Ok, é verdade que J.
J. Abrams soa sempre como uma criança descontrolada quando usa e abusa dos
flares em seus filmes, e não diferente de seus outros trabalhos eles marcam
presença aqui também. Porém, na franquia Star
Trek, é o único momento em
que as tais "luzinhas" não soam deslocadas ou mesmo atrapalham a
visita do espectador àquele universo fantástico criado quase que inteiramente a
partir de ótimos efeitos visuais. As batalhas entre as gigantescas naves, uma
travessia perigosa em meio a destroços e as perseguições tanto a pé quanto em
pleno ar, são provas do bom uso dos recursos digitais. E tudo fica ainda mais
épico ao som da trilha brilhante do (sempre ótimo) Michael Giacchino, que traz
de volta o tema criado no filme anterior e não se esquece de embalar os créditos
finais com o tema clássico do seriado. Créditos estes que, aliás, novamente são
um espetáculo a parte que merecem ser conferidos.
Uma das coisas que
mais me agrada nesta retomada de Jornada
nas Estrelas (eu sei que a
moda é falar Star Trek,
mas soa repetitivo, não?), é a capacidade de Abrams e seus roteiristas de
conseguirem contar a sua própria história sem nunca esquecer de respeitar e
homenagear suas origens. Assim, os famosos "red shirts", que no
seriado eram conhecidos por serem quase figurantes que desciam com parte da
tripulação da Enterprise em algum lugar para explorar e acabavam sofrendo algum
acidente ou morrendo, uma gag que virou piada até mesmo dentro da mitologia da
série, aqui não são deixados de lado em uma sequência que se passa no planeta
Kronos, lar dos Klingons. Os próprios Klingons na verdade já são uma homenagem
em si. Em outro momento, Sulu é posto como capitão temporário da Enterprise, o
que remete diretamente a Star
Trek VI, onde o personagem tinha sua própria nave para comandar. Já em outro momento, durante o clímax, é recriado quase que exatamente uma cena dramática de Star Trek II: A Ira de Khan, sem contar [SPOILER] um grito famoso
que aqui é proferido não por Kirk, e sim por Spock (Khaaaaaaan!!!). E já que
estou dando spoilers, ai vai: sim, a verdadeira identidade do personagem de Benedict
Cumberbatch é o famoso humano geneticamente modificado Khan, que é considerado
o maior vilão da franquia [FIM DO SPOILER].
Agora, é preciso ser
um entendedor do universo Trekkie para entender ou gostar de Além da Escuridão? Não, claro
que não. Não era preciso no Star
Trek de 2009 e tampouco é
necessário agora. O filme empolga, diverte, emociona e cativa qualquer
espectador e muito disso se deve em parte às sequências de ação dirigidas com
maestria e energia (Sim! A câmera sob o comando de Abrams parece exalar uma
pura energia contagiante), com planos sempre em movimento, cortes rápidos e sem
medo de explorar ângulos inclinados que, diferentemente da maioria das
produções que investem nestes enquadramentos, aqui são justificados pela
própria constante instabilidade da gravidade, os divertidos e inventivos
desafios enfrentados pela tripulação da Enterprise são acompanhados por um
espectador totalmente imerso em sua lógica interna. Em especial, todo o clímax
do longa é um destaque. Porém, é inegável que tais cenas e
situações não seriam tão cativantes caso fossem protagonizadas (e também
antagonizadas) por personagens desinteressantes, então se boa parte da mágica
do filme está nas mãos de Abrams, a outra é responsabilidade do competente
elenco que conta até mesmo com Peter Weller, o eterno Robocop, como uma figura
importante em sua trama.
Chris Pine volta a
encarnar Kirk com a displicência e o bom humor habituais, sabendo também
transparecer o estresse do personagem, que põe seus ideais de amizade e boa
conduta em conflito com a ânsia por vingança experimentada pelo capitão neste
capítulo. O que torna os costumeiros embates entre ele e Spock ainda mais
interessantes. Aliás, Quinto também retorna ainda mais afinado com a
personalidade do famoso integrante Vulcano da Enterprise, desta vez passando
por questionamentos a cerca da morte, e os sentimentos que implicam lidar com a
mesma, o que, levando em conta os acontecimentos do filme anterior, é apenas
lógico (sim, isso foi uma piadinha, quem entender ria, por favor). Já Saldana,
Cho, Yelchin e Urban voltam a interpretar seus respectivos Uhura, Sulu, Chekov
e McCoy com competência, ainda que seu tempo em tela nos permita ver menos de
suas performances do que gostaríamos, sobrando mais para o sempre ótimo Simon
Pegg, cujo Scotty ganha uma participação maior e mais divertida. E é de se apontar a ótima química criada e mantida entre todos os atores.
Enquanto isso, o vilão
interpretado por Cumberbatch é, surpreendentemente, menos verborrágico do que o
esperado, tendo em vista a escolha do ator para o papel. Seu John Harrison é um
antagonista cuja postura rígida e movimentos rápidos e letais são a maior força
da presença do personagem em cena, sempre imponente. Ainda que, sim, seus diálogos sejam
impregnados com uma intensidade que quase beira o over acting por parte de
Cumberbatch, que felizmente sabe manter o vilão sob controle. E quando a
raiva transparece nas feições de seu personagem, acreditamos sem nenhuma dúvida em seus sentimentos e da força de vontade presente neles, e assim, aprendemos a temer o antagonista. E não bastassem seus bons
intérpretes, Harrison e o Almirante Marcus (Peter Weller) ainda ganham papeis que permitem leituras políticas interessantes. Afinal, um terrorista que
ataca um prédio em uma grande metrópole usando de meios internos do próprio
lugar (no caso, um oficial da frota estelar), é sem dúvidas uma alusão ao onze
de setembro. Ainda mais quando em outro momento, o mesmo personagem, de fato,
ilustra essa referência ao jogar uma aeronave contra não um, mas uma boa
quantidade de prédios em uma cidade. Enquanto isso, Marcus, manda caçar e matar
sem julgamento um criminoso exilado em um país inimigo, mesmo tendo em vista a
alta possibilidade de com isso iniciar uma perigosa guerra, em outra clara
referência aos eventos pós os ataques ao World Trade Center. E o fato de a tal
cidade no filme não ser Nova York (Até que um dia a Dona Liberdade se salvou),
e sim Londres, torna a discussão ainda mais aberta devido aos próprios ataques
que o metrô da cidade sofreu em 2005.
Assim, é de se aplaudir
de pé que Abrams consiga divertir enquanto conta uma história composta por um
fundo político sério, ao mesmo tempo em que homenageia e referencia um universo
já representado por diversos filmes e séries, sem nunca desrespeitar nada do
que qualquer um deles tenha dito antes, e pra coroar, completa o seu magnífico
trabalho ao fazer de Além da
Escuridão: Star Trek um filme que simplesmente qualquer um poderia
sentar, ver, entender e gostar, apesar de toda esta carga que acabei de citar. Os fãs de Star Wars podem ficar tranquilos,
pois sua franquia está em competentes mãos, o desafio agora é Abrams conseguir
superar a si mesmo neste incrível trabalho.
NOTA: 10/10
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