Antes de se falar
qualquer coisa sobre o filme, deixe-me contextualizar os eventos em torno de
sua produção. Guerra Mundial Z foi filmado em 2011, então reescrito
no ano passado, quando passou por inúmeras refilmagens que engordaram seu
orçamento consideravelmente (fala-se em 200 Milhões de dólares). Tudo
isso para fazer com que o filme ganhasse classificação indicativa PG-13,
tornando-o naturalmente mais rentável, já que sendo um dos chamados
"filmes de verão", ele foi feito pra gerar lucros. Dito isso, muitos
deverão olhar para o longa e chamá-lo de covarde, clichê e fraco. O que eu vejo
quando repenso o filme que assisti, é justamento o contrário. Um projeto
corajoso, que mesmo com todas as suas limitações (notarão a escassez de sangue,
que em grandes quantidades aumenta a classificação indicativa) e problemas de
produção, gerou um filme coeso, com ritmo, envolvente, que sabe navegar com
destreza entre os momentos de pura tensão e aqueles de ação desenfreada que
enchem os olhos com cardumes de zumbis raivosos, prontos para agarrar o nosso
protagonista.
Baseada no livro
homônimo de Max Brooks (que pra quem não sabe, é filho do cineasta Mel Brooks),
a trama, diferentemente do seu texto original, conta a história de Gerry Lane,
um ex-investigador da ONU que após escapar por pouco junto com sua família de
uma metrópole infestada, é incumbido de auxiliar na busca de uma cura para a
praga zumbi ao redor do globo. Uma decisão acertada da trupe de roteiristas
(que conta inclusive com Damon Lindelof, de Lost),
que possibilita surpreender até mesmo quem leu o livro, ainda que muitos dos
acontecimentos descritos nos inúmeros depoimentos que compõe a obra sejam
vistos aqui, tais quais o cerco de Jerusalém e sua política de aceitação de
estrangeiros, até certos eventos na Coréia do Sul e uma breve passagem sobre
a do Norte. Então é desde já que elogio o filme enquanto uma adaptação
literária, já que ele não se perde ao tentar ser uma transposição, sabendo usar
com cuidado os elementos que tinham potencial cinematográfico e descartando
aqueles que apenas em texto seriam tão eficientes.
Porém, nenhum roteiro
está seguro o suficiente nas mãos de um mau diretor, e Marc Forster, ainda que possua ocasionais tropeços em seu currículo, é admirável por sua versatilidade. A carreira do cineasta já passou pelo delicado e tocante Em Busca da Terra do Nunca,
o mediano O Caçador de
Pipas, a inventiva comédia Mais Estranho do que a Ficção e até mesmo o fraco 007 - Quantum of
Solace. Se sua constância de qualidade fosse mais acertada, ele se
igualaria a outro cineasta que também navega por vários gêneros, mas que nunca
deixa a peteca cair, Gore Verbinski (diretor de O Ratinho Encrenqueiro, O Chamado, Trilogia Piratas do Caribe, O Sol de cada Manhã e Rango). E é com alívio que constato que Forster mais uma vez consegue se adaptar
com facilidade ao estilo exigido pelo projeto que está dirigindo, que aqui oscila entre a ação e o suspense. Seus takes
aéreos combinados com uma câmera de mão frenética empolgam ao mesmo tempo em que
nunca deixam de estabelecer bem o que está acontecendo em cena. E neste ponto,
é óbvio que o 3D convertido é descartável, já que a fotografia escura, com uma baixa
profundidade de campo e baseada no uso da câmera de mão, somada a montagem acelerada que pula de um plano a outro em segundos, anulam completamente o efeito da estereoscopia.
Mas já que comecei a
falar daquilo que é visto em tela, deixe-me falar do elenco, e este é resumido
a Brad Pitt. Sim, todos os outros personagens estão lá apenas para cumprirem
suas funções enquanto motivadores, soluções ou obstáculos, o filme é de Pitt (e
demorei a perceber a presença de Matthew Fox, o Jack de Lost, como um apagado
piloto de helicóptero). Seu Gerry Lane é um homem simples, de fala direta e
nenhum tique, claramente moldado pela antiga profissão que o obrigava a
sobreviver em meio a territórios hostis com poucos recursos, o que o ator
também sabe demonstrar nas sequências de ação, quando seu personagem é
obviamente um dos únicos com algum autocontrole e raciocínio lógico, vide a
cena em Jerusalém.
Em parte
torcemos por Gerry por ser o nosso protagonista e este ser um personagem
carismático, por outro lado perderíamos o interesse com rapidez em sua
segurança caso a ameaça não estivesse à altura. E que altura! Os zumbis, quase
todos gerados por computação gráfica, são conceitualmente concebidos como
formigas africanas, que possuem uma espécie de consciência coletiva, e em
determinado momento do filme, quando é necessário para os vilões ultrapassarem
um muro para chegar até a sua presa, milhares deles formam uma rampa para que
os outros possam passar por cima e atravessar o obstáculo. Um conceito que já
vinha do eficiente Eu
Sou a Lenda, aqui amplificado para uma escala bem maior e que,
surpreendentemente, funciona e deslumbra, ainda que de vez em quando seja
impossível não notar ali e aqui que os monstros são criações digitais. Deste
modo, a voracidade das criaturas torna sua ameaça não só palpável como temível,
já que diferentemente de outros filmes de zumbi, onde um personagem encurralado
poderia talvez tentar lutar contra os mortos-vivos, aqui é difícil conceber
um cenário onde algum dos mocinhos conseguisse enfrentar uma turba dos inimigos vistos em tela.
E se é aplaudível ver
os esforços de Forster e seus roteiristas para estabelecer certas regras da
infecção sem apelar para exposições gratuitas no primeiro ato, como ao colocar
o nosso herói a beira de se atirar de um prédio enquanto conta os segundos
esperando por uma possível transformação, esse empenho desanda do meio em
diante, quando então vemos dois personagens se descrevendo apenas para encurtar
apresentações, e falas como um "Que droga" dito por Pitt ao assistir
a um vídeo de segurança já no terceiro ato, são risíveis. Mas pequenos tropeços
de roteiro a parte, Guerra
Mundial Z sobrevive e vence
suas duas horas de duração investindo em constante tensão.
Sabendo criar cenários
inventivos para a suas cenas, Forster exprime suspense de onde pode a todo
o momento, garantindo assim a atenção de seu público, sabendo quebrar
eventualmente esta constante tensão com um ou outro elemento, como por exemplo,
um toque de celular inconveniente que é seguido de uma ótima piada. Assim, ao
invés de apenas usar os zumbis da forma tradicional, é admirável vê-los em
situações diferenciadas onde o mesmo inimigo oferece desafios diversos, como
um laboratório no qual não se pode fazer ruídos, uma ala de um avião que só está
segura graças a uma fina cortina que mantém os agressores distraídos, e até
mesmo um zumbi cujos espasmos momentâneos permitem aos heróis uma janela mínima
de tempo para passarem por ele sem serem vistos.
E é por conseguir
criar um filme de zumbis que, mesmo amenizado pela censura, não deixa de ser um
filme do subgênero (ainda que fora de quadro, uma mão decepada e um pé de cabra
preso em um crânio ainda fazem parte da narrativa do filme), Guerra Mundial Z não só incentiva o espectador a
conhecer a fantástica obra que o originou, como ainda deixa na memória
um filme que acima de tudo diverte enquanto dura. É verdade que o seu desfecho
poderia ser menos meloso? É, narrações em off não estão com nada, não é mesmo?
Mas quem liga para eventuais escorregadelas quando se têm zumbis saltadores,
corredores e "amontoadores" perseguindo o seu protagonista? E se
os mortos-vivos sempre serviram como uma espécie de metáfora crítica recorrendo
a um tema atual, não é interessante então ver montes de muçulmanos
transformados tentando encontrar seu objetivo dentro dos muros de Jerusalém?
Não é curiosa a frase dita por um dos personagens "cada ser humano que
salvamos, é um a menos contra quem lutar", tendo em vista o problema
mundial da superpopulação e escassez de recursos? Enfim, se um filme
blockbuster feito para agradar a censura e gerar alguns milhões consegue
divertir e ao mesmo tempo gerar este tipo de questionamento, é desde já um filme
de sucesso. Que venha a já garantida continuação.
NOTA: 9/10
Recorri à tua crítica, Yuri, pois acabei de ver o filme e estava com medo de admitir que gostei (não sei se tu me entende). Mas o que acabei de ler lavou minha alma. Obrigado!
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