terça-feira, 30 de dezembro de 2014

ÊXODO: DEUSES E REIS



Ao contrário de recente Noé, dirigido pelo sempre ótimo Darren Aronofsky, Êxodo prefere não adaptar de forma fiel - apesar daquela visão singular - os textos da bíblia, afinal, estamos falando aqui de um filme de Ridley Scott, um diretor que, apesar de se encontrar atualmente em uma fase ruim de sua carreira – ainda em processo de superação do trauma que foi O Conselheiro do Crime na minha vida - nunca abandonou uma certa sobriedade em suas tramas. E é sintomático que seja muito melhor recebida esta versão mais realista e quase nada fantasiosa de uma história bíblica do que foi o Noé estrelado por Russel Crowe, que de outra maneira, não hesitava inserir em sua trama elementos como os gigantes ou os homens que viviam muitos séculos, todos relatados abertamente na bíblia.


Aqui o filme cria uma ambiguidade, e céticos, como eu mesmo, podem encontrar explicações para quase tudo o que acontece ao longo dos demasiados longos 150 minutos de filme. Scott faz questão de deixar a “opção descrente” ativa, mesmo as conversas de Moisés (Christian Bale) com uma entidade divina poderiam ser interpretadas como esquizofrenia, e é particularmente interessante como mostra as pragas sendo uma consequência da outra. E se digo “quase tudo” é porque a morte dos primogênitos e o famoso clímax envolvendo o mar ainda são elementos fantasiosos demais para se conseguir burlar, e importantes demais para simplesmente deleta-los do roteiro. De qualquer forma é admirável que o cineasta consiga imprimir certa dramaticidade e verossimilhança a sequências que facilmente destoariam de sua abordagem. Também é curioso que torne atual um plot tão antigo - principalmente se pensarmos no que se desenrola atualmente no Oriente Médio - ao trazer para a superfície a discussão sobre o radicalismo entre os povos envolvidos nele, não deixando de apontar dedos tanto para os senhores quanto para os escravos. 


Ainda assim, é um filme feito com cautela demais, para públicos demais, o que me leva a ter de citar novamente Noé, que não temia adaptar o texto em que se baseava em suas mais estranhas nuances, doesse a quem doesse. Êxodo prefere o ameno, não ousa, não assume uma identidade clara, e o resultado é uma repassagem longuíssima e muito bem produzida da já conhecida história de Moisés. Nesse sentido, seria mais proveitoso investir o tempo em obras como Os Dez Mandamentos ou O Príncipe do Egito, produções distintas e únicas em suas abordagens da mesma trama apresentada aqui de forma quase sempre desinteressante.


Não que o filme todo seja um desastre. Não é. Christian Bale encabeça o elenco com sua intensidade habitual, trazendo aspectos como o pragmatismo e até certa austeridade para um personagem que antes conhecíamos apenas pela bondade intrínseca, e que agora ganha traços de um guerrilheiro e líder militar - outra modernização bem-vinda da abordagem. Enquanto isso Joel Edgerton faz o possível para tornar crível e interessante um vilão que, embora coeso – Ramsés se mostra um canalha desde cedo – jamais deixa de ter suas mudanças conduzidas com brusquidão. Ambos, entretanto, são beneficiados por estarem sempre ao centro de uma ambientação fantástica concebida através de um design de produção admirável. Tão crível que soa bastante estranho quando desde os minutos iniciais vemos os personagens agindo com tanta polidez e modos de etiqueta, algo que é, aqui sim de maneira ruim, atemporal e não deixa nunca de soar deslocado durante o filme. Culpa de Scott que não soube dosar seus atores. Isso, claro, e o fato de ser John Turturro interpretando o Faraó, e por melhor caracterizado que ele esteja, por mais contido que consiga se sair, a sensação de que a cena toda vai logo se converter em uma grande piada é inevitável.


Sem ousar pisar fundo demais em terreno algum, mas, não abandonando a grandiosidade da história que traz consigo, Scott acaba concebendo um filme burocrático, que consiste basicamente em itens riscados de uma lista: “Arbusto em chamas (x); Pragas (x); Mar se abre (x)”. Um ritmo que costure todos estes itens não chega a surgir, e certo marasmo torna-se inevitável. Mesmo o clímax que poderia e deveria ser tenso é diminuído quando na verdade não há suspense algum ou ameaça que seja para os heróis. Se o perigo existe, Scott jamais é eficaz em transmiti-lo. E sua tentativa de não explicar o fenômeno do mar dando passagem ao povo de Moisés acaba só piorando a coisa toda, já que, ainda que adequada as escolhas mais pé no chão do realizador, retira toda a grandiosidade de um final que pedia por isso. Digo mais, se Scott tivesse ousado neste instante específico com uma sequência mais fantasiosa e grandiloquente, destoando propositalmente do resto de sua abordagem, o clímax provavelmente beneficiaria toda a produção ao contrapor um fecho épico ao ritmo contido que assumira até então. Porém, mesmo depois de duas horas e meia de filme, é difícil que qualquer aspecto deste projeto morno - que não os técnicos - seja lembrado mais adiante. Pior, é difícil até encontrar motivos para citar nomes do elenco como Aaron Paul, Ben Kingsley e Sigourney Waever. Êxodo não é um filme ruim, mas tampouco é um espetacular.



NOTA: 6/10




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