terça-feira, 3 de janeiro de 2017

PASSAGEIROS



Partindo de um primeiro ato que é uma mistura de Lunar, 2001: Uma Odisseia no Espaço e O Iluminado, Passageiros se converte em um romance estilo Cinquenta Tons de Cinza e, por fim, termina como um filhote de Titanic com Gravidade. O surpreendente é que, apesar de navegar entre tantas premissas, o filme é bastante simples, e por isso mesmo funciona na maior parte do tempo – e menos chocante é descobrir que o projeto começa a ruir justamente quando depende de sua própria inteligência para amarrar as pontas.


Escrito pelo mesmo Jon Spaihts que cometeu o roteiro de A Hora da Escuridão e que foi um dos responsáveis pelo problemático Prometheus, além de dirigido por Morten Tyldum, do mediano O Jogo da Imitação, é até admirável como esse longa-metragem consegue se manter por dois atos inteiros, apesar de eventualmente denunciar sua futura estupidez – “Você me mata” seguido de uma transa em cima da mesa é o que os criadores tem por ideia de uma cena romântica. Mas me adianto: uma nave com mais de cinco mil passageiros em uma viagem de 120 anos até uma colônia humana em outro planeta, é atingida por asteroides à deriva no espaço, causando uma pane que tira da hibernação o mecânico Jim Preston (Chris Pratt), 90 anos antes do previsto. Incapaz de se colocar de volta para dormir, ele realiza que vai ficar vagando pela enorme espaçonave até morrer de velhice, até que encontra a cápsula da escritora Aurora Lane (Jennifer Lawrence) e, depois de ponderar por semanas sobre o assunto, decide acorda-la para ter uma companhia, mesmo sabendo que isso vai sentenciar a moça ao mesmo triste destino.

E enquanto concentra-se nesse dilema e na posterior relação bomba relógio entre os dois (pois sabemos que é questão de tempo até que ela descubra que foi acordada por Jim), Passageiros soa como uma ficção científica promissora, divertindo-se com referências que, apesar de óbvias, enriquecem a narrativa: além da dinâmica entre o homem lunaticamente solitário e o bartender, o androide Arthur (Michael Sheen, ótimo no papel), que se “inspira” abertamente em O Iluminado, a própria nave chama-se Avalon, a misteriosa ilha dos imortais das lendas arturianas, enquanto o nome dado à personagem de Lawrence, Aurora, faz uma ligação nada sutil com A Bela Adormecida. O problema é que não parece do interesse de Spaihts ou Tyldum discutir a filosofia por trás desses conflitos tão humanos (e a boa ficção científica recorrentemente usa de problemas complexos e até fantasiosos para debater outros muito mais próximos da nossa realidade), e a dupla sente, muito pelo contrário, uma necessidade constante de “perdoar” aquelas figuras justamente por serem... bom, humanas - criando uma narrativa moralmente repreensiva, portanto.

Então, é claro que, apesar de eticamente desprezível, o ato de Jim ao acordar Aurora encontra no clímax um fator amenizante, já que, aparentemente, se ambos não estivessem despertos, ninguém poderia identificar que existia uma pane na nave, e que coloca em risco a vida de todos os passageiros – um obstáculo que, aliás, encontra resoluções batidas e tratadas com grande urgência pelos realizadores, que tentam forçar à tensão ao invés de construí-la. Desta maneira, chega a ser risível que ambos cheguem a raspar no começo de um desfecho mais honesto, quando certo personagem reflete sobre as ações de Jim: “O homem que se afoga sempre vai tentar levar alguém com ele, mas então, ele é um homem se afogando”. Afinal, de fato, somos egoístas o suficiente para colocarmos a vida de outra pessoa em jogo se isso pode, de certa forma, salvar a nossa, mas o quão condenável é fazer isso pelo instinto de continuar sobrevivendo? Jim merecia o "perdão" que o filme se sente obrigado a lhe conceder? E Aurora, teria alguém em sua posição perdoado o homem que, por tabela, é seu assassino? Infelizmente, o conflito gerado por essas indagações foge da alçada de Passageiros, que prefere gerar um clímax baseado na ação (diferente do resto do tom do filme) e que, ainda por cima, é implausível demais para funcionar.

Portanto, é o carisma já comprovado de seu elenco, incluindo aquelas pontas que vão além de Lawrence e Pratt, somado a uma simplicidade mais humilde, que faz com que Passageiros seja eficiente em seus dois primeiros atos - antes de tentar justificar seus personagens. Embora seja sabotado eventualmente por um clímax tolo e até perturbador do ponto de vista ético, o filme deixa uma impressão agradável devido a essa boa parte inicial. Não especialmente inteligente, nem singular em sua premissa, mas divertido o suficiente para entreter – o que resume o projeto como um todo.


6/10


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