segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A GRANDE MURALHA


A prática de escalar um ator branco para viver um papel que, não fossem as exigências de mercado, certamente teria sido dado a uma pessoa de outra etnia (e que é nomeada com o termo whitewashing), também acarreta normalmente em um recorte feito por lentes estadunidenses sobre culturas “estrangeiras” (para eles). Que isso aconteça nesse A Grande Muralha é ainda mais triste, pois trata-se de um filme dirigido pelo chinês Yimou Zhang, do excepcional Herói, e dos ótimos O Clã das Adagas Voadoras e A Maldição da Flor Dourada. O que faz desse ridículo tropeço apresentado aqui, um legítimo produto nos moldes ocidentais, mas que deveria vir com uma etiqueta avisando: made in China.

A “trama” começa quando dois mercenários, o aparentemente espanhol Tovar (Pedro Pascal) e o aparentemente britânico William (Matt Damon), dão de cara com os portões da famosa Muralha da China, e são feitos prisioneiros pela comandante Lin (Tian Jing). Porém, antes que se possa decidir o que fazer com eles, o lugar é atacado por um exército de lagartos com consciência coletiva que, aparentemente, querem dominar o mundo, ou devorá-lo, parece ser a mesma coisa – yep, that’s right. Obviamente, os dois ladrões se mostram habilidosos o suficiente para que Lin os deixe lutar ao seu lado e provar sua honra, o que eles tentam fazer, mais ou menos.

Por exemplo, é impossível não pensar que o personagem de Pedro Pascal foi escrito apenas para que o protagonismo caucasiano de Matt Damon não ficasse tão aparente (ou melhor, descarado). Porém, uma vez em tela, é ainda mais ofensivo que ele seja relegado ao papel do sidekick traiçoeiro e covarde. Aliás, é de se indagar que bichinho morde o roteirista Tony Gilroy de vez em quando, pois o mesmo autor dos textos concisos e eficientes da trilogia Bourne, ou mesmo aqueles prolixos e intrigantes de Conduta de Risco, Duplicidade e Intrigas de Estado, vez ou outra também comete coisas como O Legado Bourne e, bem, isso aqui. Há de se levar em conta, entretanto, que ele não é o único autor da façanha, que ainda tem dedos (demais) de outros dois escritores e ainda a idealização de Max Brooks – autor do ótimo livro que deu origem a Guerra Mundial Z, e que ao menos faz sentido dado o contexto.

Portanto, não fosse apenas o arremedo de história (existem filmes que sobrevivem com menos), A Grande Muralha ainda falha miseravelmente em desenvolver o pouco que tem, preferindo pular de uma sequência de batalha para a próxima. Porém, como não há conexão com os personagens, torcer por eles ou pelos lagartos acaba não fazendo diferença, e sem a empatia necessária, o projeto soa apenas barulhento e arrastado – ainda que tenha apenas uma hora e quarenta minutos. E não se trata de erros propriamente ditos, pois isso implicaria que o roteiro faz alguma tentativa de se sair bem. Não, o texto é realmente de uma preguiça assustadora que fica escancarada desde os minutos iniciais, quando a desculpa para que Tovar e William estejam no meio da batalha, por exemplo, é o carcereiro falar para seus superiores um: “não consegui encontrar as chaves” (da cela, no caso).

Matt Damon, aliás, surge no piloto automático, quase tão constrangido quanto o espectador, e não surpreende que o seu personagem constantemente desmaie ou seja nocauteado - eu também gostaria de ter sido em alguns momentos. Já a direção de Yimou Zhang vai da decepção ao revoltante, principalmente por abandonar qualquer resquício das belas composições plásticas de seu currículo, ou por se entregar a uma ação que, na melhor das hipóteses, é burocrática e sem graça – ainda que fosse melhor descrita com: confusa e extremamente falha em estabelecer o que está acontecendo com quem, aonde e quando. Desse modo, mesmo com os exageros de efeitos digitais, A Grande Muralha consegue o feito de não ser nem mesmo visualmente interessante.

Porém, convenhamos que, de qualquer forma, seria difícil se fazer notável com um filme cuja própria premissa parece encontrar problemas sérios de concepção: afinal, se o obstáculo para os lagartos dominarem o mundo era a tal da muralha, por que eles simplesmente não corriam na direção oposta? E por que eles atacavam apenas a cada 60 anos? E se isso não é relevante, porque levantar a questão? Aliás, o que diabos (pra não dizer “lagartos”) Willem Dafoe está fazendo aqui? Qual a relevância da sua sub-trama? E como um filme que mal tem uma trama consegue ter uma história paralela? Eu estou sendo muito cri cri com um projeto que fala sobre hordas de répteis carnívoros!? Se sim, me perdoe, é que o vácuo intelecto/emocional do longa me deixou muito tempo livre para questioná-lo. E que ele não ofereça base para respostas não me deixa opções senão desgostar do resultado.



NOTA: 2/10


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