Clube de Compras Dallas é um filme de personagem, isso quer dizer que apesar de tratar de muitos
interessantes temas, o foco é em como estes cenários afetam o arco de seu
protagonista. No caso, Ron (Matthew McConaughey), é um eletricista e peão de
rodeios aposentado que se descobre com AIDS. Preso no Texas dos anos oitenta,
ele logo é excluído do convívio de seus amigos e colegas que o acusam de ser
homossexual. Doente e com uma expectativa de vida estimada em trinta dias, ele se associa ao colega de quarto, o travesti Rayon (Jared Leto), e a médica
Eve (Jennifer Garner) para fundar um negócio onde, por uma taxa significativa,
disponibiliza para diagnosticados com HIV remédios traficados do exterior para
o tratamento da doença, em combate a outro considerado perigoso e
disponibilizado legalmente pelos hospitais.
Outro dos concorrentes ao Oscar
deste ano que se baseia em fatos reais (dos nove indicados a melhor Filme, seis
o são), o longa aqui aproveita para alfinetar as políticas absurdas por trás da
aprovação de novos medicamentos e como grupos farmacêuticos poderosos
monopolizam e fazem milhões em cima de remédios nem sempre efetivos. Um
contexto latente nos Estados Unidos da década de oitenta, onde os inimigos aos
poucos deixavam de ser os distantes comunistas para se tornarem as grandes
corporações, e segundo Clube de Compras, antagonizadas com razão. O
que o faz muito comparável com Filadélfia (1993), que além de possuir uma dinâmica
parecidíssima entre o protagonista e seu coadjuvante (só inverter os papeis, no
caso), deu também o prêmio de Melhor Ator para Tom Hanks (curiosamente McConaughey é o
favorito este ano), que interpreta um aidético que investe seus últimos dias de
vida na luta contra o sistema impassível do governo que favorecia não empresas e corporações como também a discriminação dentro destas.
Apresentando um personagem
inicialmente homofóbico, o roteiro faz a transição de Ron de forma convincente,
e suas catarses jamais soam menos que convincentes. E Matthew McConaughey
percorre brilhantemente este arco, que é muito mais complexo do que pode
aparentar a princípio – e o ator e seu diretor, Jean-Marc Vallée, entendem isso
e debruçam-se sobre a tarefa de fazer do rude eletricista um homem crível. E
esqueçam seu sotaque texano que isto não é nenhuma novidade; repare,
por exemplo, no jeito de andar gingado, com a cintura solta e as pernas
arqueadas, referências sutis ao seu passado como peão, são estes detalhes que
realmente constroem um personagem, e é bom saber que provavelmente ele será
reconhecido pela academia uma vez que esta deixou de premiar no ano passado
Joaquin Phoenix por O Mestre, onde
sua performance possuía o mesmo tipo de dedicação. Este esquelético, bruto e
enérgico Ron em nada lembra qualquer outro personagem do ator, e quando o vemos
finalmente se permitir abraçar o então amigo Rayon, a cena toca pelo carinho e
sinceridade que demonstra ao fazê-lo.
Na verdade, este Ron de Matthew McConaughey desperta uma
conveniente pergunta: se isto tivesse ocorrido com algum de seus amigos, teria
ele agido da mesma forma que eles? Podemos inferir que sim, e nesta lógica, se
colocado no mesmo arco, este outro homem teria percorrido-o da mesma forma?
Provavelmente podemos inferir que sim também; colocados em situação de igual
para igual, seres humanos tendem a se identificar e solidarizar com seus
companheiros de espécie. Uma indagação que tem seu lado positivo, ainda que
óbvio, no fato de que todo o preconceito é nocivo mas pode ser desfeito com uma
mudança de perspectiva. Porém, também é triste quando paramos para perceber
que esta mudança na verdade consiste em igualar dois indivíduos que já deveriam
se considerar iguais, a despeito de orientações sexuais, cor de pele, etnia,
etc. E só por despertar questionamentos como estes, Clube de Compras Dallas já mereceria a nossa atenção.
Ainda assim, o filme conta com
mais alguns méritos, como Jared Leto, que apesar de estar bem, não possui o
mais difícil dos personagens em mãos. Afetado como se esperava, é engraçado
notar sua escolha por um terno poucas medidas mais largo do que o necessário em
certo momento, indicando sua falta de costume de usar roupas masculinas. Já o humor que Dallas apresenta,
aliás, vêm das interações nem sempre diretas entre ele e Ron; aquela envolvendo
uma masturbação é excelente, assim como em certo momento o personagem de
McConaughey referir-se ao outro como “Miss Man”, denunciando sua tentativa
falha de compreendê-lo, mas ainda assim, uma tentativa. Então é curioso que ao
tratar de maneira tão natural com um tema tão perigosamente piegas, que é a
relação entre dois seres tão diferentes e até mesmo antagonistas de certa
forma, o filme acabe tendo seu único tropeço ao lidar com um tema mais comum e
fácil, extrapolando no maniqueísmo ao tentar nos empurrar uma comoção durante o
clímax que até então havia evitado. Mas logo o longa se recupera da tentativa
de endeusar o personagem e se finaliza voltando ao seu foco, concluindo-se num
plano que rima com o primeiro visto em tela mas que, desta vez, traz uma
significativa diferença: Ron não está mais nos bastidores alienado ao
espetáculo sangrento lá fora. Agora ele está montado no boi, no centro do
palco e disposto a aguentar mais do que os oito segundos com que a princípio
fora diagnosticado.
P.S. – A maquiagem do filme é
extremamente eficiente, comparem a cena em que Ron chora no carro e o plano
irmão deste que se passa três meses depois, por exemplo.
NOTA: 9/10
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