quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

ROBOCOP


O novo Robocop é um exemplo de remake, ao menos em suas intenções, e se estas funcionam para uns e para outros não já é uma questão diferente. Recontando a história original sem se preocupar em ser fiel e tomando muitas liberdades, o filme dirigido pelo brasileiro José Padilha atualiza a narrativa, a abordagem e a proposta crítica do longa de Paul Verhoeven, sem com isso desrespeitar o filme de 1987, pelo contrário, homenageando-o sempre que possível e sem precisar pisar no freio para fazê-lo, inserindo suas muitas referências de forma natural. Por isso desde já considero errado usar o material de origem para criticar este longa-metragem, uma vez que, apesar de referenciá-lo, a produção de Padilha jamais torna sua história dependente daquele filme. São duas linhas de pensamento diferentes em cima de um mesmo plot; se lá na década de oitenta Verhoeven usava o satírico para alfinetar as grandes corporações que, com grande poder acumulado após um longo período de propagandas pró-capitalistas e anticomunistas, controlavam e influenciavam partes importantes do serviço público, aqui, quase trinta anos depois, o remake aborda a tendência dos Estados Unidos a interferir nas políticas externas de outros países e as diversas fobias que isto acaba causando em sua população. E um povo com medo, é sempre um povo mais fácil de se manobrar.


Quando o detetive Alex Murphy (Joel Kinnaman) sofre um atentado, a empresa OmniCorp consegue a permissão para transformá-lo em um policial robô, meio humano e meio máquina, podendo assim viabilizar seu projeto dentro dos Estados Unidos, que se recusa a aceitar a presença de máquinas como agentes da segurança pública. É então que o Doutor Dennet Norton (Gary Oldman) salva o possível do corpo de Alex e entrega o tal Robocop. E é muito interessante que o filme traga esta questão da “robofobia”, usando-a para criticar a política muitas vezes hipócrita dos EUA, que não hesita em invadir um país aqui, enviar tropas para auxiliar um conflito dos quais tem interesses ali, espionar uma presidenta acolá, mas que ao mesmo tempo se mostra uma das nações mais muradas de todo o planeta, e não digo apenas no sentido literal, citando as fronteiras com o México, mas de quase todas as formas, para um estrangeiro, acessar o país se não for para gastar alguns milhares de dólares em seus pontos turísticos, é sempre muito difícil.


Então é, sim, interessante que em uma de suas primeiras cenas o filme nos leve a um país distante onde drones comandados pela OmniCorp fazem uma patrulha opressiva nas ruas de uma cidade claramente pobre. E o pior, no que diz respeito aos próprios estadunidenses, é fácil, para quem vê de fora, compreender porque um filme dirigido por um brasileiro que critica abertamente estes elefantes brancos esteja gerando tamanha rejeição da crítica e do público local; pois imagino que deva ser difícil engolir o caricato e cínico discurso patriótico com que o personagem de Samuel L. Jackson fecha o longa, que logo é seguido por créditos embalados pela apropriada I Fought the Law (and the Law won) do The Clash. Este personagem, aliás, um apresentador de televisão que repete a função daquele interpretado por André Mattos em Tropa de Elite 2, é, antes de tudo, um oportunista, escondido atrás de um perigoso manto populista e progressista. E tão ruim quanto um reacionário formador de opinião, é um influente progressista exacerbado, que incentiva a mudança mesmo que esta nem sempre signifique progresso. Pelo menos não para a grande maioria.


Padilha, aliás, não é nem um pouco sutil neste ponto, como já não era ao comandar os excepcionais Tropa de Elite, e em certo momento um senador mais conservador e, portanto, contra a reforma policial/tecnológica, que em outro exercício de pouca sutileza é vestido com um terno antiquado e uma gravata borboleta que o vinculam a um tempo passado, tem sua participação no programa do tal Pat Novak (Jackson) interrompida bruscamente antes de ter a chance de poder desmentir uma argumentação falaciosa feita pelo empresário e chefe da OmniCorp, Raymond Sellars (Michael Keaton). Mas se o humor existe, ele está restrito a estes momentos em que acompanhamos os tendenciosos comentários de Novak, que abre e fecha o filme, como não poderia deixar de ser; no resto da projeção, o diretor mantém uma abordagem que se leva bastante a sério, o que por um lado: confere intensidade e peso a narrativa, mas por outro: banaliza as relações familiares de Murphy, cujo conflito soa tolo e dispensável em comparação com o resto da trama, e sendo este importante para o clímax da produção, acaba subtraindo da tensão ao invés de intensificá-la.


Tensão que felizmente o realizador é competente em manter por quase toda a duração do longa. E para aqueles que duvidavam, sim, a mão do cineasta é sentida aqui, principalmente nas cenas de ação, onde ao retomar sua parceria com o diretor de fotografia Lula Carvalho e o montador Daniel Rezende, consegue imprimir a urgência necessária, repetindo o feito alcançado nos longas protagonizados pelo Capitão Nascimento, podendo-se acusar o projeto de muitas coisas, menos de entediante. Um ritmo que como já mencionei Padilha não quebra para inserir homenagens ao original, assim, o drone bípede armado com imensas metralhadoras que representava um plano substituto ao do Robocop no longa de 1987, aqui aparece já como um recurso integrado e essencial para a OmniCorp, assim como a armadura clássica dá as caras por bastante tempo antes de ser substituída pela nova preta. E mesmo a música tema do antecessor é uma constante em meio às composições adequadas da trilha de Pedro Bromfman - outro antigo colaborador que Padilha traz para esta nova empreitada.


É uma crítica menos humorada e mais incisiva a apresentada aqui. Melhor do que o original? Que pergunta injusta, o Robocop de Paul Verhoeven teve anos para criar um carinho especial e icônico na História do cinema recente. Tendo em vista a rejeição do público e da crítica norte-americana, eu duvido que esta versão fique tão marcada, mas de jeito algum isso tira os méritos deste remake, que se mostra até mesmo um filme visualmente impactante para um PG-13 (equivalente a classificação 12 anos aqui), e que, tão diferente de muitas outras revisões cinematográficas, atualiza o seu tema e se mostra necessário.


NOTA: 8/10




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