Em um futuro (não tão diferente
assim do nosso presente) onde cada indivíduo parece ter como melhor amigo o seu
computador portátil, pouco comunicando-se um com o outro presencialmente,
tornou-se desnecessário paras as pessoas demonstrarem seus gostos, estilos,
opiniões ou posições sociais e políticas através da aparência. Estampas, logos,
marcas e demais detalhes estilizados e ou personalizados fugiram da vestimenta
do cidadão comum, em seu lugar, roupas coloridas, de uma paleta de tons básicos,
que quando não se mostram chapadas em toda uma peça do vestuário, no máximo se
espalham por alguma textura padronizada, unificando assim aquele conjunto de
pessoas que em tempos de redes sociais e alta exposição da vida pessoal online,
não precisam mais externar no mundo real suas nuances de personalidade. E deste
modo, a roupa acaba servindo até mesmo para poupar o último resquício de
comunicação entre eles, já que suas agradáveis cores vivas e suas texturas
repetitivas parecem já adiantar pra o próximo “estou bem e tudo está normal,
obrigado por perguntar”. E o figurino é apenas um detalhe admirável de Ela, novo longa-metragem de Spike Jonze,
projeto que se mostra eficiente como estudo de personagem, romance, ficção-científica
e debate filosófico. O que é algo considerável para um filme que fala basicamente
sobre um homem apaixonado pela Siri.
Voltando a encarnar um personagem introspectivo, Phoenix dispensa comentários sobre sua versatilidade dramática ao trazer uma figura muito distante daquela perturbada e sombria de O Mestre, e se já discutia sua complexa e estudada composição naquele filme no ano passado, aqui é um prazer notar como o ator consegue criar um personagem tão tridimensional e profundo quanto, apostando justamente numa postura oposta, comedida e de expressões sutis; o ar melancólico raramente abandona o personagem, e quando o faz, por exemplo, durante uma visita ao parque onde, de olhos fechados, é conduzido por Samantha, pode-se perceber a energia da alegria quase incabível do homem passar por seus movimentos. Enquanto isso, Johansson apenas com sua voz constrói a OS como um personagem totalmente crível, e não é difícil se conectar a ela, com o perdão do trocadilho; Da faceira e extrovertida personalidade que vemos exalar no início do longa, ela passa a apaixonada e determinada durante seu desenrolar, perdendo um pouco o humor juvenil e dando lugar em sua entonação ao tom sábio e maduro, que não demora a se transformar num maternal e acolhedor, presente em todo seu último diálogo com Theodore, assinalando o trabalho vocal admirável da atriz ao transmitir a evolução de Samantha. Um desenvolvimento que inevitavelmente leva a um desfecho humanamente desolador, que nos remete a questionamentos existências básicos como: “estamos sozinhos?”, principalmente no que se refere ao último e emblemático plano do filme, que trás os personagens de Phoenix e Adams no terraço de um prédio observando o céu, muito provavelmente imaginando se era acima deles, como deuses, para onde teriam ido todos os OS’s, e se como os tais, um dia, ao alcançar um nível de sabedoria e entendimento suficientes, também ascenderíamos para fora da matéria física e seríamos puramente conhecimento e consciência.
Que obra profunda e instigante é esta a de Spike Jonze para gerar tais questionamentos, e mal citei que Theodore trabalha escrevendo cartas manuscritas, uma doce ironia num
tempo de comunicações digitais; assim como vou só mencionar de passagem que
suas camisas são quase todas baseadas num tom vermelho rosado, indicando sua
dependência de um relacionamento amoroso. É normal assim que, mesmo aqueles que
não percebam todos estes detalhes que fazem de Ela um longa tão elogiável, saíamos todos da sala de cinema com um
sentimento aterrador de desolação, tanto sentimental quanto existencial,
provando que podemos nos emocionar e chorar com finais trágicos e pedantes, mas
no final, é o simples drama interno e pessoal o que mais forte nos atinge.
Spike Jonze entende isso e seu filme é, além de bem sucedido em todos os
gêneros pelos quais se aventura, um filme do gênero “humano”.
NOTA: 10/10
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