terça-feira, 9 de outubro de 2018

O CINEMA DIZ: #ELENÃO - Nº 7

Fernando Beretta del Corona é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, especialista em Televisão e Convergência Digital e mestre em Comunicação Social pela UNISINOS e já teve críticas publicadas pela Revista do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Trabalha com audiovisual em todas formas e funções.







Antes de mais nada, quero dizer que o que vocês vão ver está inserido no atual contexto social

Assim começa No. Filmado em formato de vídeo que imprime ar documental, os primeiros planos já o inserem visualmente na época em que se passa, 1988. Quem fala a frase é o publicitário Reneé (Gael García Bernal), enquanto tenta vender para empresários desinteressados um comercial de refrigerante. Mas o contexto social a que ele se refere se aplica também ao Brasil atual.



No ano em questão, o Chile passava por um momento único: após um golpe de estado que depôs o presidente Salvador Allende e colocou no poder o ditador Augusto Pinochet 15 anos antes, uma pressão internacional levara o governo militar a realizar um plebiscito para decidir se Pinochet deveria continuar no governo por mais oito anos ou se deveriam ser realizadas novas eleições.

De início, as reações foram de suspeita. Os militares nunca deixariam que a oposição ganhasse. O medo era que eleições fraudulentas fosse uma maneira de legitimar o governo militar diante do cenário político internacional. Além disso, havia um medo real de que eles pudessem ganhar sem precisar de trapaças. Grande parte da população fora convencida dos avanços que o país tivera nos anos da ditadura, e que a parte ruim” – que envolve inúmeros assassinatos, torturas e sequestros políticos ficou para trás.

A proposta apresentada foi que cada perspectiva tivesse 15 minutos diários na televisão nacional durante pouco menos de um mês para defender seu lado antes da votação. Os lados ficaram definidos como Sim, para continuar o governo de Pinochet, e Não, para convocar novas eleições.

entra Reneé, que é convidado para dirigir a campanha do Não, enquanto seu chefe em uma agência publicitária participa da campanha do Sim. Resistente de início, especialmente pelo medo do que a associação com comunistaspoderia fazer para sua carreira, ele acaba aceitando.

Três décadas se passaram desse plebiscito. No Brasil de 2018, as questões levantadas no filme surgem com sinistra semelhança. Como um sistema midiático pode apresentar o fascismo de maneira palatável para o público? A plataforma do Sim aponta para o crescimento econômico como prioridade, ignorando questões sociais como secundárias para um país que se industrializou durante o período da ditadura, um discurso assustadoramente parecido com o utilizado no cenário nacional ao defender os anos em que o Brasil passou por uma ditadura militar. Para a oposição, resta se perguntar o que seria mais importante: trabalhar na própria imagem, apresentar as vantagens de uma democracia, de um projeto de governo honesto, ou confiar que a população vai ser convencida a votar contra os horrores da ditadura ao ser apresentada com os fatos?

Reneé, enquanto publicitário, acredita em vender o Não mais do que o Sim. Por isso, entra em choque ideológico com outros colegas de campanha. A postura dele é colocada ainda mais em questão a partir de sua relação com seu chefe. Nisso, o filme comenta a frequente postura dita “apolítica” por trás desse tipo de campanha publicitária – em que a democracia é vendida e apresentada como um produto. Alguém compara o primeiro esboço da campanha de Reneé a uma propaganda da Coca-Cola.

Mas as pessoas compram Coca-Cola, não?

Tanto no Chile de 1988 quanto no Brasil 2018, dois políticos eram vendidos como figuras midiáticas – se não messiânicas que se posicionavam contra os fantasmas da esquerda, do comunismo e do socialismo. Também nos dois casos existia um medo constante de um movimento para se deslegitimar eleições democráticas – um histórico presente no Brasil.

No é um filme assumidamente político. O lado mais humano da história se baseia em cenas da vida pessoal de Reneé com seu filho Simón (Pascal Montero) e a mãe deste, Verónica (Antonia Zegers), uma ativista que inicialmente debocha da escolha do publicitário por uma campanha enfatizando a alegria da democracia ao invés de focar no que a ditadura escondera da televisão por 15 anos. Para os poucos iniciados nos detalhes da vida política chilena, as questões são simplificadas e a trama é focada. O estilo de Larráin é baseado em uma montagem desconjuntada que pode ser confusa no começo, mas que acaba por refletir o clima de pressa e ansiedade que consumia as pessoas responsáveis por montar uma campanha publicitária que poderia definir o futuro de um país. O filme acabou por ser indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 2013 e abriu espaço para Larraín dirigir outra obra que flertava com a política em uma abordagem mais humanizada em Jackie, de 2016.

Aqui, ele questiona a ligação entre política e publicidade, medo e democracia, a venda de um governo como produto e o poder de um país de se unir através de uma escolha. A escolha pode ser tão simples quanto um Sim ou um Não, mas cabe ao povo fazer essa escolha. Cabe ao povo se pronunciar com um Não para o fascismo, para tudo que vai contra os valores da democracia. É uma ação, uma atitude, uma postura. Não.



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Entenda o que é, porque existe e leia as outras edições do projeto O Cinema Diz: #EleNãoem que convidei várias pessoas para escolher e escrever sobre um filme que converse com a nossa situação política, no intuito de refletir e ilustrar os riscos que estamos correndo.


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