Jurassic Park é uma obra-prima inquestionável. Muito se valendo do
frescor de ideia, Spielberg construiu um filme com cuidado minucioso, cheio de
sequências icônicas e angustiantes - tamanha a tensão - possibilitadas graças a
efeitos visuais pioneiros que parecem não ter envelhecido um dia sequer – e
mesmo hoje, 22 anos depois, ainda há produções que não se equiparam nos
quesitos técnicos. Porém, era uma trama que, devido aos próprios elementos, funcionava
como um único filme, e assim suas continuações já nasceram todas fadadas a
fracassarem em repetir o grandioso feito. Se O Mundo Perdido (ainda sob a batuta de Spielberg!) reciclava
fórmulas que tinham funcionado no primeiro longa-metragem para criar uma
aventura apenas divertidinha, Jurassic
Park 3 veio para enterrar a franquia de vez. Ou era o que achávamos, até
que se escavassem os fósseis daquela ideia original para conceber este Jurassic World, que não, obviamente não
chega nem perto de ser o clássico que é o filme de 1993, mas que tem plena
noção disso e, apesar dos problemas, se prova um filme tenso, divertido e
nostalgicamente reverente.
Afinal, o que dá pra inventar de
muito mais original em um filme que já fala sobre um parque temático com dinossauros?
Eventualmente se espera que eles se soltem e gerem pânico total, mas isso nós
já vimos. E assim como o público do Jurassic World - nome dado ao parque agora
que, anos depois, está aberto e funcional – queremos uma nova atração. De volta
à Isla Nublar, cenário do longa original, descobrimos que esse novo chamariz é
uma espécie criada geneticamente pelo doutor Henry Wu (BD Wong, repetindo o
papel depois de mais de duas décadas) sob a supervisão de Claire (Bryce Dallas
Howard), a responsável pela gerência do exótico resort que vem, não por acaso,
sempre vestida de um branco impecável, o que a remete diretamente como
substituta de John Hammond (personagem do falecido Richard Attenborough). Acontece
que a tal Indominus-Rex é muito mais inteligente do que o previsto, e não
demora até que esteja a solta pela ilha, colocando em perigo não só a vida dos
protagonistas, que incluem ainda os dois sobrinhos de Claire, como também as de
outros vinte mil turistas. Assim, o único capaz de entender o animal para poder
capturá-lo ou destruí-lo, parece ser o domador de velociraptores Owen (Chris
Patt).
É clichê dizer que é clichê usar
a estrutura de Frankenstein – monstro
criado a partir de vários pedaços de corpos e que se vira contra o criador – na
trama da Indominus, que ainda ganha referências a Os Pássaros de Hitchcock na sequência dos pterossauros, e a Tubarão, do próprio Spielberg no modo
como a grande vilã é retrada, sempre escondida e revelando o seu design o menos
possível. O que aqui ajuda mais na questão de não gerar identificação, do que
no objetivo mais comum da técnica que é criar tensão a respeito do monstro que
não sabemos bem o que é. Até porque sabemos o que ela é: é um dinossauro
ridiculamente mortal. Mas as referências que realmente importam são mesmo as
feitas ao próprio Jurassic Park. E
neste ponto é que o filme se divide em duas vertentes: quem assistiu ao primeiro
filme e o tem na lembrança, é convidado sutilmente a participar da aventura de
um modo mais magnético, enquanto aqueles que o viram há muito tempo e já não
lembram direito, desfrutarão apenas da boa aventura efêmera que ele é. O
desconhecido Colin Trevorrow, escolhido sabe-se lá por que para dirigir o
projeto, depois de só ter comandado a simpática comédia Sem Segurança Nenhuma, não é exatamente um diretor experiente e caí
com facilidade no previsível, mas merece palmas por incluir inúmeras
referências ao longa original de maneira orgânica, que, como que com uma
piscadela para nós com o canto do olho, vão preenchendo com nostalgia – e portanto,
com o resgate dos sentimentos oriundos ao filme de 1993 – momentos que para os espectadores desmemoriados passarão batidos.
São só alguns exemplos: o modo
como Claire encontra seus sobrinhos, muito semelhante àquele em que John
encontrava os netos; todos os itens no antigo centro de visitantes abandonado,
incluindo o próprio lugar; “Bem-vindos ao Jurassic World”, diz Claire, em mais
uma referência que faz sua ligação com a figura de Hammond; o plano que enfoca
um espelho retrovisor mostrando um dinossauro prestes a atacar; até mesmo a
placa de orientação idêntica a que fora derrubada por Nedry (Wayne Knight)
antes; e também a música tema composta por John Williams e revisitada agora por Michael
Giacchino – que infelizmente parece confuso e temerário em todo o resto que compõe. Não só isso, como é interessante ver que os eventos dos
filmes anteriores – muito embora o roteiro tenha o bom senso de ignorar sempre
que possível os filmes 2 e 3 – tiveram peso naquele universo, e
aparentemente usar uma camiseta do Jurassic Park é visto como desrespeito às
vítimas fatais da Isla Nublar.
Ok, deixa eu frear um pouco meu
coração de fã – e eu sou fã, é apenas ético admitir – e dizer que Jurassic World tem sim os seus
problemas. Todo e qualquer conflito pessoal dos personagens é forçado goela
abaixo, da relação entre Claire e Owen até o drama dos pais divorciados dos
meninos, passando pela relação pouco amistosa entre a mãe deles e sua tia. Some
a isso que os personagens são basicamente unidimensionais, e por mais que o
filme invista corretamente em uma longa preparação antes de jogá-los na ação, é
difícil temer por qualquer uma das figuras em tela. No fim, é o carisma de Patt
e Dallas, e em menor grau o de Irrfan Khan, que salvam o núcleo humano do
esquecimento. Muito embora esteja lá, perdido, Omar Sy (do ótimo Intocáveis) e o talentoso Vincent D’Onofrio, aqui uma
espécie de mercenário interessado em usar os dinos como armas militares. Nada
disso impede, porém, Trevorrow de construir boas cenas de ação que sim,
conseguem ser tensas em algum nível, e de divertir com inúmeros dinossauros em
cena. O clímax é feito para esta criança dentro de você, e se essa criança lembra
de Jurassic Park, vai vibrar ainda
mais durante um plano sequência que redime erros grotescos cometidos
principalmente no terceiro longa-metragem. Jurassic
World não é sobre encontrar a maestria do Spielberg de 1993, mas sobre
encontrar em nós mesmos a criança que era fã daquela obra para melhor
aproveitarmos essa que é a primeira sequência digna da franquia, prometida há 22
anos com um rugido e os dizeres: “quando os dinossauros reinavam na Terra”.
NOTA: 8/10
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