A segunda noite da quadragésima
terceira edição do Festival de Cinema de Gramado contou com uma sala muito mais
cheia no Palácio dos Festivais, afinal o evento recebeu o diretor Daniel Filho
e Bete Mendes, tendo sido Filho homenageado no intervalo entre as sessões.
Porém, no que se trata dos filmes apresentados, houve uma maior irregularidade
em relação ao dia anterior. Foram exibidos o péssimo curta-metragem Herói, o magnético longa uruguaio Zanahoria, o ótimo curta documental Muro, e o arrastado longa brasileiro Introdução à Música do Sangue.
Herói é um projeto realizado por estudantes de São Paulo e conta a
história de um garoto com deficiência mental e sua babá. O rapaz passa o tempo
todo vestido com uma fantasia de super-herói, rola uma tensão sexual entre ele
a mulher, a quem acaba ferindo e as coisas piram bastante depois disso. Embora
conte com elementos marcantes – e nojentos – o projeto não tem realmente uma
história pra contar, e se tem, a deixa pelo caminho. Não há nem mesmo um
simbolismo ou subjetividade para se desvendar – o menino é o próprio herói? Tá,
e aí? Como nem João Pedone ou Pedro Figueiredo, os diretores, estabelecem algum
tipo de clima ou abordagem minimamente mais interessantes, sobra pouco para se
gostar na sua produção, que de modo geral, desagrada.
Abertura da noite que iria
refletir o fechamento da mesma, com Introdução
à Música do Sangue, de Luiz Carlos Lacerda, que antes de deixar o palco,
pediu “espero que gostem, mas se não gostarem, fiquem quietinhos e não contem
pra ninguém”. Bom, vou ficar quietinho e não contar pra ninguém. MENTIRA,
crítica completa do filme – que é sim, muito ruim - já está pronta e em breve
publicada >>> AQUI.
Então deixa eu contar o que rolou
nesse meio tempo. Seguindo o horroroso Herói,
veio o longa uruguaio baseado em fatos reais, Zanahoria, de Enrique Buchichio. Conta a história de dois
jornalistas, Jorge (Martín Rodriguez) e Alfredo (Abel Tripaldi), que nas
vésperas das eleições do país em 2004 são contatados por um tal de Walter
(César Troncoso), que diz ter informações sobre os desaparecidos durante a
ditadura e os responsáveis por isso. Adiando a entrega das informações e sempre
pedindo mais e mais favores e dinheiro, o informante começa a levantar a
suspeita da dupla, que por sua vez se vê presa entre as possibilidades de Walter
ser realmente um perigoso ex-militar cheio de provas importantes contra o
antigo regime, ou então um perigoso mentiroso que pode estar querendo usar os
dois como ferramenta.
Buchichio consegue transmitir
essa paranoia ao espectador com facilidade, apostando em um ritmo slow burning que vai ganhando tensão com
o desenrolar. Pra isso ele brinca com a dubiedade do personagem de Troncoso.
Aqui uma faixa de luz azul ilumina apenas os olhos de Walter de um lado do seu
rosto no carro, ali, é uma faixa de luz amarela vinda do lado oposto que assume
o mesmo papel. Mais adiante, quando um carro é o ponto central de um conflito
entre eles, Walter é visto sozinho ao lado de várias carcaças de veículos
abandonados. Pra quem tem acompanhado a nova temporada de True Detective, vai
identificar um tipo de abordagem semelhante, que remete ao noir, em uma trama que usa igualmente o cenário político e econômico
para desenvolver as figuras que habitam nele.
Depois disso teve o intervalo e a
chegada de Daniel Filho, que recebeu uma homenagem no palco, seguida da
exibição do curta documentário Muro, realizado por alunos de um curso no Rio de
Janeiro e, como explicado pela própria diretora, feito sem apoio ou orçamento
algum. O que é elegante em um filme que aborda justamente as diferenças sociais
radicais entre dois grupos: o primeiro, os moradores da comunidade Jardim
Consórcio, o segundo, os condôminos de um elegante complexo de prédios que
termina exatamente onde começa o amontoado de casas da comunidade. Se fossem
associados pela temática, Muro
deveria ter passado ontem, antes da sessão de Que Horas Ela Volta?. Igualmente relevante e – se não mais –
importante, o curta-metragem tem a seu favor o gênero documental, que dá a ele
um compromisso com a verdade e transforma sua trama simples em algo poderoso,
que pode ser resumido em duas citações:
A primeira é de um morador do
Jardim Consórcio que diz: “Eles querem ver só coisa bonita, olha dentro da
gente que a gente é bonito por dentro, eles por dentro não é muito bonito não”;
A segunda é de uma moradora do condomínio, que diz: “Não queremos que eles
saiam daqui, nós até gostamos, a segurança no muro é muito básica: arame
farpado, cerca elétrica e algumas câmeras”. Ora, para que fosse o Muro de Berlim
só faltaram as minas terrestres. Enfim, a humilde produção tem seu “clímax” no
depoimento emocionado do síndico de prédio vizinho e se encerra em um belíssimo
plano aéreo que desenha então a diferença entre a comunidade cinzenta habitada
por centenas de famílias lutando por espaço, e os amplos espaços verdes de que
dispõe os moradores dos edifícios ao lado. Não precisa dizer muito, basta dizer
o certo, e é o que Muro faz, convertendo-se no segundo melhor filme dos oito
que já assisti desde que o Festival começou – não consegui ver a mostra de
curtas gaúchos, algo que não deixarei passar hoje.
Herói – Nota: 2/10
Zanahoria – Nota: 8/10
Muro – Nota: 10/10
Introdução à Música do Sangue – Nota: 3/10
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