terça-feira, 30 de abril de 2019

GAME OF THRONES S08E03


GAME OF Whathefuckishappeningrighthere


Não decepcionante, mas longe de ser tão épico quanto gostaria, o terceiro episódio dessa reta final de Game of Thrones foi um erro estético que oscilou entre momentos empolgantes e outros aborrecidamente anti-climáticos. Se Arya protagonizou todos as melhores cenas deste capítulo, foi porque parecia a única pessoa agindo como se estivesse de fato naquela batalha, correndo risco de vida e sendo obrigada a tomar decisões desesperadas e inteligentes - ao contrário dos demais, que apenas pareciam ser exatamente o que são: personagens de uma série de TV sendo assistidos por milhões. Em algum ponto, Game of Thrones abandonou a força que retirava da imprevisibilidade dos seus eventos, e se tornou previsível justamente por continuar seguindo uma diretriz da qual o público não é mais refém, mas sim o próprio seriado. Nessa ânsia por chocar, por exemplo, o roteiro enfia duas mortes relevantes no meio de um momento de tensão crescente, fazendo-as soarem como distrações e, ainda pior, banalizando a despedida daqueles personagens, cujas saídas de cena tem pouco ou nenhum peso graças à falta de timing da estrutura do episódio - ficamos naquela: “tá, morre logo que eu quero ver o que vai acontecer agora”.


Aliás, não só por isso, mas a despedida de alguns personagens se dá de forma abrupta e sem grandes fechamentos. E eu entendo, a série quis retomar um pouco da ideia de “realismo” que era tão latente nas primeiras temporadas, quando os acontecimentos não pareciam dramaticamente adequados, mas por outro lado, eram muito verossímeis. Entretanto, algumas das figuras a quem damos adeus eram justamente aquelas que carregavam pontas soltas de outras tramas abertas e nunca fechadas em temporadas anteriores. Ou seja, não fosse o suficiente serem tirados do seriado de forma insossa, a saída dessas pessoas ainda soa como um recurso preguiçoso da série para cortar fora de vez essas pontas, ao invés de se dar ao trabalho de amarrá-las.

E nos poucos eventos dramáticos que realmente funcionam, GoT volta com seu probleminha mais preocupante das últimas levas de episódios: a espetacularização da morte e da violência. Veja, há uma diferença entre representar a morte em momentos catárticos e tratá-la como um espetáculo que tem fim em si mesmo. GoT recorrentemente tem esquecido que a despedida de personagens tem ou deveria ter peso para os outros personagens, que são ou deveriam ser momentos melancólicos para o público também. Deveríamos vibrar pela derrota de um vilão, pela vitória mesmo que em sacrifício de um herói, mas não deveríamos ter como regozijo a morte em si desses personagens - é uma mensagem no mínimo problemática.

Para finalizar, as escolhas estéticas do episódio sabotaram a ideia central do próprio: mostrar o caos e a escala da batalha de Winterfell. Sim, ficou bem claro que a produção queria passar para o espectador o modo como os personagens estavam se sentindo, ou seja, perdidos, confusos, sem saber o que estava acontecendo, sem saber quem estava vivo ou não, sem conseguir enxergar direito etc. Mas eu sou espectador, não sou personagem, eu só vou entender como os personagens se sentem se eu entender CADÊ os personagens, não é? Escuro, repleto de planos fechados, tremidos e colados uns nos outros sem qualquer sombra de intenção de estabelecer quem está onde em relação ao quê, a visualidade desse episódio foi terrível mesmo em cópias de ótima qualidade. Se a batalha de Winterfell ocorreu, eu não vi, não entendi e, consequentemente, não senti nada em relação a ela. No início de tudo, GoT se baseava no status quo, num plano virtual de poderes e naqueles que ousavam tensiona-lo através de ações específicas que deformavam o espectro político. Era esse o charme da série, os joguetes palacianos reféns das personalidades mais ou menos honrosas das figuras que ali habitavam. O espetáculo deveria ficar em segundo plano e não ser o astro principal aqui, quem sabe agora, do modo como as coisas ficaram configuradas para esses três derradeiros episódios, o seriado não se redima buscando um pouco mais de inteligência e menos show of - e, quem sabe, se possível, um pouquinho mais de luz nessa fotografia. Quero poder ENXERGAR o final da série.

CRÍTICA: CAPITÃ MARVEL


O filme de número 21 da Marvel chegou aos cinemas. Depois de uma década de lançamentos, Capitã Marvel finalmente traz uma mulher à frente de um projeto do MCU. Passado nos anos 1990, o longa promete romper um pouco com a cronologia dos filmes anteriores, em preparação para a chegada de Vingadores: Ultimato, produção que deverá amarrar todas as pontas abertas nos últimos 10 anos de super-heróis. Brie Larson se sai bem no papel da heroína? Qual sua dinâmica com Samuel L. Jackson? O que o roteiro acrescenta a este universo? As cenas de ação funcionam? Isso tudo em um pouco mais eu falei no vídeo-crítica que você pode assistir logo abaixo:


Alguma opinião diferente sobre Capitã Marvel? Deixa aí nos comentários da postagem ou lá no canal do YouTube!

segunda-feira, 1 de abril de 2019

ANÁLISE FILME "NÓS" - AS VEIAS ABERTAS DA MEMÓRIA


Tentando não dar spoiler nenhum, mas de maneira que faça sentido para quem já assistiu ao filme, tentei escrever minha livre interpretação do filme de Jordan Peele e estrelado pela Lupita Nyong'o, Nós.


Quando desce pela toca do coelho branco, ou quando atravessa o espelho, Alice encontra num mundo escondido versões deturpadas e caricaturais das pessoas que conhecia na superfície. A obra de Lewis Carroll sempre carregou consigo a alusão de um mergulho no próprio inconsciente, nos desejos e medos profundos, nas insanidades retraídas da negação. Como indivíduos ou como sociedade, não podemos apenas mascarar os erros cometidos, dar a eles uma nova demão de tinta e dizer “pronto, está resolvido”. Não basta apenas admitir que se errou no passado, pois admitir sem reparar não é reconhecer o erro - e erros que você não consegue reconhecer, sempre voltam a aparecer no caminho, e como você não sabe como se parecem, volta a cometê-los.

Tais quais as vitórias, os erros também são parte de quem somos Nós. Fugir dos erros é, em retrospecto, fugir de si mesmo. Tanto o indivíduo quanto o país que apenas admite seu passado, mas não o repara e não reconhece os erros nele, está fadado a vivê-lo de novo. Quanto mais foge, quanto mais nega, mais profundos, densos e insanos se tornam os seus erros, fermentando sob a superfície. Um caldo grosso e violento feito de Nós mesmos, pronto para esguichar para fora da pele ao menor sinal de ruptura, vermelho como sangue.

Mas reparar e reconhecer um erro não é deixá-lo definir quem você ou Nós somos. Muito pelo contrário, é se libertar dele. Como pessoa ou como país, você se volta para dentro, desce até onde escondeu o problema e o enfrenta. O único modo de olhar para um erro e reconhecê-lo, mais do que isso, o único modo de olhar para um erro e não enxergar mais o próprio rosto nele, é encarando-o nos olhos. Clichê? Sim, mas hoje um clichê necessário. Somente assim, cortamos o cordão umbilical criado pela negação e pela fuga entre o erro e nós mesmos, eficiente como o fechar ágil e afiado de uma tesoura de costura.

De outro modo, qualquer pequeno corte faz sangrar um filete grosso desse sangue pressurizado sob a pele. Qualquer porta que se abre, faz o passado saltar para fora, violento, se estendendo de costa à costa numa corrente de erros, todos de mãos dadas, como se fossem as veias cheias de sangue inocente não reconhecido, não reparado.

A História tece a sua teia irregular, mas repleta de padrões, como as patinhas habilidosas de uma aranha, cujo número que as enumera, o oito, também simboliza o infinito. Um infinito de padrões repetidos, uma Dona Aranha subindo pela parede, derrubada pela chuva forte e voltando a subir, de novo, e de novo e de novo. Um assovio ecoando no escuro. Aqui, o indivíduo, a realidade política atual e um filme de terror convergem. Os genocídios do passado, os erros não sanados, os monstros no subsolo e os terrores do agora, de repente, se parecem demais com ninguém mais ninguém menos do que apenas Nós.