sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

DJANGO LIVRE

     

     Tarantinadores Tarantinarão...

     O cultuado diretor e roteirista Quentin Tarantino sempre apresentou como uma de suas principais referências o "gênero" Western Spaghetti. Surgidos no início da década de 60, em uma tentativa de popularizar o mercado cinematográfico Italiano, esses longas tentavam emular os faroestes conhecidos mundialmente, mas que só eram produzidos nos Estados Unidos até então. O que se sucedeu foi uma onda de filmes que traziam uma visão muito mais irônica, crua e alto-contestadora do que aquelas americanas, que se orgulhavam em idealizar o pistoleiro como um herói limpo, bravo e incorruptível. Assim, a visão europeia trouxe protagonistas sujos, indigentes, amargurados, sem nem mesmo um nome às vezes, que buscavam a justiça pelas próprias mãos, enfrentando déspotas guardados por verdadeiros exércitos em cidades tomadas pelo medo e a opressão, diga-se de passagem, uma visão muito aceitável e adequada vinda de um continente que tinha a Segunda Guerra Mundial ainda como uma ferida aberta. E é justamente desta estrutura que Tarantino claramente se referenciou ao realizar este Django Livre, que se não é o seu melhor filme (Pulp Fiction e Kill Bill Vol. 1 seriam esses), é com certeza o mais honesto deles. Assumindo a comicidade e o trash como muletas narrativas (e isto é um elogio), este seu novo projeto peca apenas ao apresentar certa falta de criatividade na resolução de seus conflitos, o que acaba sendo compensado pelo desenrolar dos conflitos em si, que encenados por um elenco impecável, garantem a total absorção do público nas perigosas quase três horas de duração do longa.



     Para trazer esta estrutura para os Estados Unidos neste seu novo filme, Tarantino opta por ambientá-lo em plena época da escravatura, onde mostra o escravo Django (Jamie Foxx) - que recebe o nome de um dos ícones do gênero Spaghetti- sendo libertado pelo caçador de recompensas Dr. King Schultz (Christoph Waltz). A partir daí, nada diferente daqueles heróis sujos, indigentes e amargurados que citei acima, Django começa a fazer justiça com os próprios punhos, firmando uma parceria com o tal Dr. Schultz na profissão de matador de procurados da justiça. Até que então a dupla decide se arriscar em um perigoso plano para salvar Broomhilda (Kerry Washington), esposa escrava de Django, de uma fazenda muito bem guardada no meio do Mississipi comandada por Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), um comerciante de escravos violento e perigoso. 


     Abrindo o filme com um velho e antiquado logotipo da Columbia, que desde os primeiros segundos de projeção já busca homenagear as origens de suas inspirações, Tarantino não se demora para apresentar seus protagonistas em uma de suas famosas cenas de abertura. Porém, se antes os filmes do diretor causavam o riso como consequência de seu estilo, aqui o realizador claramente busca causar este efeito em seu público, seja através de gags, como a do cavalo que cumprimenta quando ordenado, ou no cinismo extremo do personagem de Waltz que se mantém calmo mesmo em uma situação violenta como um tiroteio, o fato é que desta vez Tarantino assume um tom mais cômico, que, conforme vai chegando ao desfecho do longa, vai ganhando também um crescendo absurdo.


     Porém, é inegável que o diretor/roteirista tenha deixado a própria fama subir um pouco a cabeça, deixando cada vez mais sua alto-indulgência impregnar sua forma e técnica, por exemplo, ao abusar do uso de rápidos Zoons in e out para expressar uma situação dramática, que depois das primeiras cinco vezes, acabam chamando mais atenção pra si mesmo do que salientando de um forma propositalmente pedestre a reação de algum personagem. O que acaba fazendo parecer que na verdade este é Tarantino, tentando ser o próprio Tarantino enquanto tenta ser Leone. Isso sem contar a duração, que mesmo auxiliada por um dinamismo incomum nas obras do diretor (a entrada do novo montador, Fred Raskin, seria a causa?), acaba sendo sentida evidentemente pelo espectador, que com certeza, não se importaria com alguns minutos a menos de filme.


     Porém, ainda que cometa estes pecadilhos, é impossível negar o amor e o divertimento com que o diretor parece realizar os seus filmes, prova disso é a própria aparição de Tarantino em determinada cena, que resulta em um dos momentos mais hilários do longa, competindo apenas com a execução exagerada de determinada personagem já ao fim do filme. E em um plano mais inspirado, Tarantino chega a buscar o humor apenas com o enquadramento de sua câmera, enfocando a cabeça de Django que passa enquadrada bem dentro do laço de uma forca. Mantendo sempre a sua identidade dentro do longa, o diretor pouco hesita em colocar uma música Hip Hop pesada para acompanhar a chegada cheia de personalidade de Django, um letreiro gigante e antiquado passando lateralmente em tela anunciando a chegada dos protagonistas ao Mississipi, as atendentes do Clube Cleópatra para fazerem poses caricatas enquanto esperam ser necessárias e até mesmo um personagem a fazer um juramento com a mão coberta de sangue - lembrando que em Cães de Aluguel, o personagem mais culpado e que mais escondia segredos no grupo, era o Mister Orange (Tim Roth), que passa o filme inteiro coberto e deitado em uma poça de sangue, não deixando então de ser curioso que aqui volte a usar este elemento tão recorrente e abundante em seus filmes como um símbolo para culpa.


     Já a arte geral do filme é um detalhe a parte. Além da impecável recriação de época, o departamento consegue se adequar fantasticamente a linguagem de Tarantino, surpreendendo e causando o riso com elementos como o dente pendurado em uma mola sobre o teto da carruagem do Dr. Schultz, que indica sua antiga profissão, a roupa de um personagem fanático religioso que possuí várias páginas da bíblia costuradas ao tecido, a escultura branca de dois negros lutando até a morte que enfeita a sala de jantar do vilão Candie, e até mesmo a própria sala de jantar e as vestimentas deste último, cujas cores baseadas no vermelho escuro e no preto, já premeditam a carnificina reservada para o clímax.


     Mas o que seria de Quentin Tarantino se não fosse o seu elenco? E se Jamie Foxx está apenas apropriado como Django, é porque sua performance empalidece ao lado do cativante e carismático Christoph Waltz, que por sua vez incorpora uma a versão mais boazinha do Coronel Hans Landa de Bastardos Inglórios. Mas nem Foxx e nem Waltz, quem acaba roubando não só a cena, mas o filme inteiro para si, é a dupla de vilões formada por Leonardo DiCaprio e Samuel L. Jackson (que interpreta o caseiro e braço direito do fazendeiro, Stephen). Diferenciando-se de seus últimos papéis, nos quais se dedicou a personagens mais amargurados e introspectivos, DiCapiro surge caricato e extrovertido, não se poupando de gritos e gestos amplos que expressam a alto-estima e confiança de Calvin. Já Jackson como o rabugento e velho caseiro, marca sua aparição com uma língua solta e afiada, que fazendo praticamente o papel de papagaio do vilão, repete suas deixas enquanto expressa suas próprias opiniões sarcásticas junto, quase que ofuscando DiCaprio em determinados momentos.


     Assim, talvez a única coisa que realmente incomode neste Django Livre, é a leve falta de criatividade que Tarantino acusa ao resolver a maioria de seus conflitos em um tiroteio impossível. E se antes era divertido constatar que a perseguição entre Marsellus Wallace e Butch em Pulp Fiction, acabava com os dois sequestrados por estupradores no porão de uma lojinha, justamente por ser algo totalmente imprevisível, aqui acaba soando decepcionantemente que o mesmo Tarantino resolva duas sequências seguidas de forma praticamente idêntica, com os dois protagonistas rendidos e enrolando seus perseguidores com uma historinha tola. E se não controlar o seu ego, o diretor corre o grave risco de acabar fazendo o mesmo, enrolando o seu espectador com uma historinha tola. O que, ainda bem, não é o caso de Django Livre.


NOTA: 9/10

       


Um comentário:

  1. Os atores estão todos demais. Gostei muito do filme, mas senti o tempo no cinema.

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