sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A TRAVESSIA


Dono de uma filmografia eclética, Robert Zemeckis talvez não seja um nome que as pessoas lembrem de imediato. Porém, puxe um assunto sobre a trilogia De Volta Para o Futuro, comente sobre as formas sensuais de Jessica Rabbit em Uma Cilada Para Roger Rabbit, grite “Corra, Forrest, Corra!” como Jane faz em Forrest Gump, ou mesmo nomeie uma bola ou um amigo imaginário de Wilson, homenageando Náufrago, e vai perceber o quanto os filmes do cineasta estão enraizados na cultura popular.


O que me leva a este A Travessia, no qual o realizador se aventura pela primeira vez na linguagem do 3D em um live action. E é importante ressaltar outra vez que, sim, o uso da terceira dimensão implica em toda uma nova abordagem estética que deve ser respeitada para não ser apenas um acréscimo no valor do ingresso. Dito isso, Zemeckis nunca temeu se aventurar em novas técnicas, já tendo três de seus filmes reconhecidos com o Oscar de Melhor Efeitos Visuais justamente por isso, além de ter investido parte significante da sua carreira na experimentação da técnica do motion capture, em O Expresso Polar, A Lenda de Beowulf e Os Fantasmas de Scrooge . Aqui o cineasta, apesar de alguns exibicionismos, entende que a tecnologia exige enquadramentos abertos, estabilizados, em planos de grande profundidade de campo, bem iluminados, e que de preferência durem mais do que meros segundos em tela, dando tempo ao olho de registrar e absorver a tridimensionalidade.

Nesse quesito, a parte acertada do projeto reside no fato de que o 3D realmente se faz necessário – e se normalmente eu diria que assistir ao filme em 2D não faria tanta diferença,  aqui é altamente recomendável que se escolha a opção que vem com os óculos – já que Zemeckis constrói, se não todo, ao menos o terceiro ato do projeto inteiro em torno da linguagem em três dimensões. Caso você não saiba, o filme conta a história real de Philippe Petit, um equilibrista francês que estendeu um cabo de aço entre as duas Torres Gêmeas em Nova York, de forma clandestina, e o atravessou na manhã do dia 7 de agosto de 1974, sem cabo de segurança. E não reclame de spoilers! Isso foi há mais de 40 anos, e a coisa toda já rendeu um livro e um documentário premiado com um Oscar! O Equilibrista, de 2008.

Portanto, acalme-se, Zemeckis sabe da repercussão da história e que por isso não poderia criar tensão em cima do desfecho do ato. Para tanto ele procura, ao invés disso, nos colocar em cima daquele cabo de aço junto com Philippe (Joseph Gordon-Levitt), usando sempre de enquadramentos inclinados ou que se colocam na beira das torres, o que, com o auxílio do já citado bom uso do 3D, cria uma inevitável vertigem. Então não, conhecer o que aconteceu naquele dia entre os dois prédios do World Trade Center de nada adianta para que o espectador possa evitar a tensão vertiginosa provocada pela direção segura do longa-metragem.

A mesma que, aliás, merece alguns aplausos também por conseguir evitar uma abordagem burocrática dos dois primeiros atos, que poderiam ser facilmente entediantes quando percebemos que contam apenas o passado e o planejamento do feito em si. Investindo em uma narração que traz Levitt no topo da Estátua da Liberdade basicamente relatando o que estamos vendo, a intervenção acaba se justificando pelo ritmo que ajuda a impregnar na narrativa , além de fornecer sempre o ponto de vista ora reflexivo, ora imprudente e impulsivo de Petit – sem contar que faz um link interessante, apesar de óbvio, entre os dois franceses que marcaram Nova York, ele e a estátua. Fora isso, admito que acho bonitinho a roupagem preto e branco com que é revestida uma cena no primeiro ato, e admiro as transições visualmente criativas com que o diretor permeia toda a duração do filme, sendo aquela da flecha a de que mais gosto.

Não fosse só isso, Levitt cria um protagonista carismático, o que é importante para que torçamos por ele, e se arrisca no sotaque que, no final das contas, por mais caricato que possa soar, acaba ajudando a construir para ele uma figura que é muito mais representativa do que realista. Algo que de certa maneira ajuda a transmitir a ideia mítica que Philippe atribuiu aos dois prédios, cujo trágico e doloroso destino jamais é ignorado pela produção, que não se cansa de tratá-los com reverência e respeito, escolhendo justamente um plano das torres, sob um sol dourado, para encerrar-se. Desde já uma decisão acertada, já que, se em outros casos, cineastas menos articulados não hesitariam em terminar o seu filme sobre o caso com um tom sombrio, como se antecipassem o ataque terrorista dali 27 anos, Zemeckis abandona qualquer pretensão para deixar um bom sentimento flutuando em tela ao final do seu filme. O que funciona, e merece reconhecimento.



NOTA: 9/10

   

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