quarta-feira, 19 de setembro de 2018

CRÍTICA: O MISTÉRIO DO RELÓGIO NA PAREDE


Não que isso sirva de grande elogio ao projeto, mas este é o melhor filme que o diretor/produtor/ator Eli Roth já concebeu. Também, não era difícil superar a deficiência moral e a superficialidade exibida em O Albergue 1 e 2, nem o fetiche esquisito de Bata Antes de Entrar ou o reacionarismo do fraquíssimo remake de Desejo de Matar. Afinal, que O Mistério do Relógio na Parede funcione é compreensível, pois é voltado ao público infantil, uma audiência mais adequada à capacidade intelectual recorrente das obras de Roth.

Aliás, a princípio espanta que o mesmo cara que desentendeu o sadismo contido nos seus filmes de horror, a objetificação que impõem às suas personagens femininas e o discurso armamentista e de incitação à violência implícito do seu último longa, venha agora tentar estabelecer um contato com crianças (!). Ainda bem, as limitações de Roth o impedem de produzir aqui qualquer coisa mais ofensiva do que piadinhas de peido.


Ambientada nos Estados Unidos de 1955, a história acompanha o jovem Lewis (Owen Vaccaro), um órfão que acabou de perder os pais num acidente de carro e que vai morar numa mansão esquisita sob a tutela do tio, Jonathan (Jack Black), que vive às voltas com uma vizinha excêntrica, Florence (Cate Blanchett). Introspectivo e bastante intelectual, o menino fica fascinado ao descobrir que seus novos tutores são feiticeiros, e se prontifica a ser um aprendiz dos dois para poderem resolver juntos o tal mistério do título.

Portanto, a exemplo do recente A Freira, apesar de alguns outros méritos aqui e ali, a força de O Mistério do Relógio na Parede é mesmo o seu trio de protagonistas. Aliás, outra característica que os dois filmes dividem é que ambos tentam ser exemplares de horror. Sim, Roth não consegue escapulir da sua zona de conforto e claramente tem a intenção de criar algo ao estilo do sub-gênero de horror-infantil, em que se encaixam Coraline, Gremlins, Abracadabra e A Casa Monstro, por exemplo. Porém, completamente incapaz de criar atmosfera, o máximo que consegue é criar algumas imagens que, é, funcionam pontualmente por causa da sua estranheza, com destaque para a transfiguração de uma bruxa, cuja maneira que é retratada, sugere um processo muito dolorido para a mesma; e também para o instante perturbador que traz a cabeçorra de Jack Black com um corpo de bebê - quase tão chocante quanto uma cena similar em Deadpool 2.

Logo, é um alívio ter as presenças de Owen Vaccaro, Jack Black e Cate Blanchett o tempo inteiro. Estes dois últimos, especialmente, donos de um carisma inerente, conquistam através da forma rabugenta com que Jonathan e Florence lidam um com o outro. E Blanchett, em particular, com seus figurinos e adereços roxos, já remete desde o início ao luto enfrentado por sua personagem, que graças a intensidade da atriz, ganha dimensões que o roteiro infelizmente não explora mais. Enquanto isso, Vaccaro foge de uma criança que poderia facilmente se tornar insuportável, imprimindo uma constante fragilidade em Lewis que nos conquista quando quebrada pelo espanto e maravilhamento do menino ao conhecer as novas facetas do mundo mágico que acabou de descobrir. Sua capacidade de se encantar, torna-se a nossa também.

Ainda que Eli Roth não consiga enxergar a beleza dessa ligação entre personagem e público - num dos momentos mais delicados do projeto, o cineasta interrompe a construção da cena para, adivinha o quê? Exatamente: piada de pum. Mas é esperar demais de um cara que não entende o básico de linguagem: em dado momento, Lewis olha através de uma vidraça para ver se uma certa ameaça estava neutralizada, e Roth coloca a câmera do lado de fora, sugerindo que sim, não mais perigo algum, extinguindo a tensão. Inclusive, a pequena ponta que Roth faz como um personagem na televisão, é o suficiente para reduzir em vários pontos a média de atuação do filme. Um projeto que, no geral, é carismático o suficiente para divertir e sobreviver ao pouco talento do seu diretor.

Nota: 6/10

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