sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

LINCOLN



     Não resistindo em começar seu filme com uma cena artificial onde põe dois soldados citando para o próprio Abraham Lincoln o seu discurso mais famoso (aquele proferido em Gettysburg no ano de 1863), Steven Spielberg já estabelece desde seus primeiros minutos de filme os dois recursos no qual vai basear sua narrativa nas próximas duas horas e vinte, o diálogo puramente explicativo e a performance de Daniel Day-Lewis. E apesar de excessivamente ufanista, da visão unilateral do abolicionismo e de certa pieguice desnecessária (esta cada vez mais presente na obra do diretor), Lincoln termina como um bom filme que acima de tudo, nos faz temer e torcer por seu protagonista, deixando-nos tristes por suas derrotas e vibrantes em suas vitórias, o que por si só, é um sentimento que já traz um vislumbre daquele velho Spielberg que não consegue tornar nem o mais rabugento de seus personagens (aqui representado por Tommy Lee Jones) em um ser menos carismático.


     No auge da Guerra Civil norte americana, o presidente Abraham Lincoln (Daniel Day-Lewis), o primeiro presidente eleito do Partido Republicano, une esforços para tentar aprovar uma Proclamação de Emancipação que dará liberdade à todos os escravos no país, acabando assim, com o combate em si. Isso em uma trama que acompanha os últimos meses do famoso e retórico presidente tanto em sua carreira política quanto pessoal, ao lado da amargurada esposa Mary (Sally Field) e do filho Robert (Joseph Gordon-Levitt).


     Os negros nos Estados Unidos não foram libertados por um monte de políticos caucasianos em um tribunal como este longa parece sugerir. Muito antes da Guerra Civil estourar, escravos fugidos do Sul já se abrigavam nas emancipadas e abolicionistas terras do Norte, e o mais importante, eles lutaram ao lado de seus colegas caucasianos, sendo hoje em dia contabilizados em média 35 mil afrodescendentes mortos em combate nesta época, isso ganhando metade do soldo oferecido aos outros soldados. E não digo que Spielberg esqueça deste fato, aliás, o diretor faz questão de colocar um soldado negro reclamando com o próprio Lincoln sobre sua situação no campo de batalha. Porém, se o esforço existe, ele é o mínimo suficiente para que o diretor conduza o resto de sua trama com a consciência limpa, não se importando em representar dali pra frente, o tal povo, como passivo a todas as decisões tomadas por políticos Republicanos e Democratas. E mesmo quando acerta, ao inserir a empregada negra dos Lincoln sentada no tribunal para assistir as parlamentações, trazendo assim uma representante das pessoas cuja liberdade é discutida a poucos metros de distância, o realizador resolve mais tarde extrapolar o conceito e colocar uma grande quantidade de negros para assistir a decisão final. Acontece que com a quantidade, vem a passividade, e encarar que aquela turma de afrodescendentes está ali apenas para amolecer os corações alheios do tribunal, é admitir que eles não são nada diferentes de cachorrinhos pidões implorando por um passeio para seus donos. E assim, mesmo que sem querer, Spielberg faz parecer que foi o bom coração dos caucasianos que deu liberdade ao povo negro oprimido.


     Porém, se por este lado o diretor parece não entender a questão que tem em mãos, por outro, ele investe no que sabe fazer muito bem, e claro, acaba sendo bem sucedido. Pois o Abraham Lincoln de Daniel Day-Lewis dirigido por Steven Spielberg é um personagem carismático, carinhoso, sábio e muito calmo. Na verdade, é tanto o esforço que Day-Lewis faz para representar esta última característica do presidente que, quando o vemos irritar-se, sabemos que o grau de gravidade da situação é alto graças a este termômetro. Não errando naquilo que se tornou especialista em fazer, o diretor apresenta Lincoln já em contato com os soldados traumatizados pela Guerra, ouvindo suas histórias e compartilhando algumas próprias com eles, só para alguns minutos depois mostrá-lo, após um dia cansativo de trabalho, levando o filho carinhosamente do chão para a cama. E a relação pai e filhos em Lincoln é algo que mesmo ocupando um tempo desnecessário na trama, o cineasta não se abstém de mostrar, marcando mais uma de suas obras com este que é um de seus temas mais recorrentes.


     Em contra partida, o mesmo Spielberg não consegue evitar um certo ufanismo em seu Lincoln, que mesmo sendo compreensível (Afinal, ele é o presidente dos Estados Unidos), chega a certos extremos dramáticos que embora consigam atingir o impacto necessário em seu espectador, também alcançam um certo nível de repulsa pelas afirmações ditas, como aquela em que o personagem se levanta e profere um alto e orgulhoso "Eu sou o presidente dos Estados Unidos, investido de imenso poder!". Assim, o diretor também cria um clima apelativo, não se poupando de acompanhar o trágico fim de Lincoln e sua repercussão entre os entes queridos do personagem, encerrando seu longa com mais um dos discursos do presidente, implorando por lágrimas de seus espectador. E admito que em certo ponto, é triste ver o corpo do presidente já falecido sobre uma cama, principalmente depois de todo o esforço que direção e ator fazem para conquistar o coração de seu público com aquela figura, mas o que seria melhor? Sair do cinema com um bom sentimento mesmo sabendo o que o futuro reservaria para o presidente? Ou como aconteceu, sair com o pesar da perda do personagem mostrada em cores num claro apelo desnecessário de Spielberg?


     Agora, Lincoln pode parecer um filme muito pior para o espectador que não se mantiver preso a cada linha de diálogo proferida, já que são inúmeras as discussões políticas (e em termos políticos) dentro do longa, e um apanhado apenas destas sequências dentro da trama com certeza teria uma duração de mais de uma hora e meia. Assim, qualquer falta de atenção pode desencadear um desentendimento do filme, principalmente para um espectador desacostumado ou para quem é desconhecido o sistema de votação e política norte americano. E neste caso, mais da metade do filme se perde, já que mesmo tendo uma recriação de época incrível, um elenco cativante e uma trama interessante, é inegável que Lincoln se baseie principalmente nestas longas cenas de diálogo puramente político.


     Cenas estas que, não fossem as interpretações de Daniel Day-Lewis e Tommy Lee Jones, correriam o grave risco de se tornarem maçantes. Emprestando sua persona rabugenta (e eu detesto ter de usar o termo "emprestar", mas aqui ele cabe perfeitamente) para o personagem de Thaddeus Stevens, Jones acaba soando como um alívio cômico que, sim, é extremamente funcional e cativa. E mesmo em um momento onde o personagem corrompe seus ideias, o ator faz questão de mostrá-lo abatido pela atitude, fazendo de Stevens um político mau humorado, porém, carismático. Já Sally Field se mostra adequada como a amargurada Mary Lincoln, quase caindo na caricatura em certos momentos de ultrarromantismo de Spielberg, como aquele em que durante uma discussão do casal protagonista, o diretor pontua cada grito com uma trovoada de uma forte tempestade, que rapidamente cessa com o fim da briga.


     Mas é Daniel Day-Lewis quem, obviamente, leva o filme nas costas. Empregando uma voz velha e cansada ao seu Lincoln, o ator investe em um andar vagaroso, uma pose encurvada e um olhar sempre exausto, que é preciosamente auxiliado por uma maquiagem incrivelmente convincente. O presidente, na pele de Day-Lewis é um homem bom e incorruptível, e mesmo que as várias histórias que o personagem conta durante a duração do longa possam começar a soar cansativas (como um dos personagens aponta em determinado momento "Não, eu não vou escutar mais uma de suas histórias"), é prazeroso ver o divertimento que ator emprega a Lincoln neste momentos, como se uma faceirice infantil o possuísse pela simples oportunidade de reunir alguns amigos e lhes contar uma de suas aventuras. E me surpreende, que em certa cena, Spielberg dê ao personagem a chance de retirar esta áurea de perfeição estabelecida durante quase todo o filme, quando o presidente admite para sua empregada, em suma, que não entende e nunca entenderá o sofrimento do seu povo e pouco sabe sobre os motivos que os tornam iguais, que no fim das contas, sua luta não é por eles, e sim, pelo que é certo no geral.


     E mesmo assim, ao fim do filme, Lincoln fica na cabeça como a melhor parte do longa, o que é no mínimo considerável em um filme que leva o seu nome. E mesmo que John Williams não crie nenhum tema marcante para embalar a jornada do presidente (o compositor se mostra anormalmente "quieto" aqui), e que o diretor faça questão de deixar seu espectador sair com um gosto amargo na boca, Lincoln, é ainda um filme de personagem onde este é criado e executado com sucesso e, portanto, mesmo considerando os vários tropeços de sua narrativa, também um longa bem sucedido... Mas aguardo ainda o dia em que Spielberg voltará a ser, enfim, Spielberg.


PS- O diretor provavelmente levará o Oscar de direção este ano. Baseio-me nisso por três motivos: 1) Spielberg não é premiado há mais de uma década e ele é um dos queridinhos da academia, já tendo sido indicado mais de uma vez neste meio tempo. 2) O filme encaixa-se no perfil que a premiação adora reconhecer, biografia histórica bonitinha. 3) Os concorrentes não tem a menor chance de serem reconhecidos, com a exceção, talvez, de Michael Haneke.


NOTA: 7/10



Um comentário:

  1. ele é um filme político, mas tratando-se de uma história real é bem interessante. é um filme social que discute as relações de dominação. tratando-se de um filme de um "herói em prol dos oprimidos" é bem melhor que lista de schindler, bem mais humano e introspectivo. mas é ainda um filme careta, como (desculpa, yuri) qualquer um do Spielberg

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