sexta-feira, 7 de junho de 2019

CRÍTICA: X-MEN: FÊNIX NEGRA


Ao subir dos créditos de X-Men: Fênix Negra, não pude evitar uma certa melancolia devido ao que tinha acabado de assistir. Mas apesar de este ser oficialmente o capítulo final da saga iniciada em X-Men (2000), eu não estava triste por me despedir do universo e dos personagens que acompanhei nos últimos 19 anos num total de sete filmes da equipe mutante, mais os três protagonizados pelo Wolverine, os dois do Deadpool e ainda o excepcional seriado Legion. Sempre carregados de um pesado subtexto político sobre preconceito, minorias sociais e a auto-aceitação, os filmes da saga X-Men abriram o mercado para a onda dos super-heróis que tomaria a cultura popular nas duas décadas seguintes, nas quais os longas que se concentravam na turma do professor Xavier jamais se entregaram à mesmice ou perderam de vista tramas e personagens inteligentes - eu gosto, inclusive, dos rechaçados O Confronto Final e Apocalipse. Minha melancolia, portanto, surgiu por constatar que X-Men: Fênix Negra não se trata de um final, mas de uma sobrevida. A despedida que os mutantes mereciam, infelizmente, chegou e passou há pelos menos dois filmes atrás.


Embora dê sequência ao arco dos personagens introduzidos em X-Men: Primeira Classe e X-Men: Apocalipse, esse derradeiro episódio seria mais honesto se tirasse o “X-Men” da frente e se chamasse apenas “Fênix Negra”. Não só porque o roteiro realmente se concentra no arco de Jean Grey (Sophie Turner) e sua transformação na entidade conhecida como Fênix, já abordado em X-Men: O Confronto Final, mas principalmente porque o projeto recusa propositalmente uma identificação com os demais filmes que tem o grupo como centro da narrativa. Acumulando as funções de roteirista e diretor depois de ter escrito alguns dos capítulos anteriores, Simon Kinberg substitui Bryan Singer (pai da franquia, que está afastado de Hollywood devido às acusações de assédio sexual) tentando levar as coisas para um lado bem diferente. E a princípio, preciso admitir que estava curtindo bastante as decisões de tom adotadas pelo novato na cadeira de direção.


Por exemplo, a habitual sequência de créditos iniciais embalada pela empolgante música tema criada por John Ottman, presente em quase todos os outros títulos da saga, aqui dá lugar àquelas cartelas meio genéricas com fundo preto, acompanhadas de uma trilha sombria composta por Hans Zimmer. Aliás, o tema dos X-Men não chega sequer a ser referenciado, já que as faixas concebidas por Zimmer parecem seguir os rumos da direção de Kinberg ao apostar na apatia. Mesmo nos momentos de ação, a música surge pesarosa e solene. E se por um lado eu entendo a intenção dos realizadores de querer transformar os confrontos entre os mutantes não em momentos coloridos e divertidos, mas sim trágicos, por outro… relembro que mesmo o cartunesco X-Men: Primeira Classe conseguia ser aterrador, violento e melancólico quando queria, sem deixar de lado as cores saturadas e a trilha animada de Henry Jackman - que se mantém como o autor das melhores composições que esse universo já ganhou.

Porém, o roteiro se concentra bem menos nos outros mutantes do que em Jean Grey, que depois de entrar em contato com uma fonte de poder misterioso (e nunca explicado), começa a perder o controle sobre seus poderes de telecinese, tornando-se implacável. Buscando dominar a garota para poder usar essa força dentro dela, surge Vuk (Jessica Chastain), uma alienígena cujo planeta natal foi destruído, e que enxerga na Fênix uma oportunidade para repovoar a Terra com a sua espécie. Levando esse arco em conta, o tom adotado por Kinberg parece que acerta quando desvia para uma narrativa mais pessoal e racional, como se quisesse se debruçar sobre as personagens e estudá-las - o diretor inclusive aposta recorrentemente em closes e enquadramentos fechados com a câmera na mão, o que sugere um olhar intimista sobre elas. E eu tô usando o gênero feminino pois existe uma clara intenção do projeto de se assumir como o primeiro filme dos X-Men a ser protagonizado por uma mulher - o que, de fato, ele é. Uma pena que isso leve a diálogos como aquele que traz Mística/Raven (Jennifer Lawrence) sugerindo que se troque o nome da equipe para X-Women. Um argumento que só faz enfraquecer qualquer empoderamento que as personagens poderiam conquistar, justamente porque escancara as intenções comerciais do projeto ao se apropriar de uma reivindicação social que “está na moda”.



Mais eficientes são os comentários de Vuk sobre como os homens julgam as mulheres por suas emoções e tentam estigmatizá-las, tudo para que o sexo feminino se sinta na obrigação de reprimir os próprios sentimentos e a vontade de se expressar. Além disso, o modo como Xavier (James McAvoy) passa a ser visto como um vilão controlador e egocêntrico soa natural dentro do que já conhecemos do personagem, ainda que os figurinos abandonem qualquer sutileza ao colocá-lo em tons de preto e roupas formais que retiram a outrora aura professoral construída pelos tons caquis e azuis habituais da sua paleta.


Porém, se essas construções narrativas soam envolventes enquanto prometem levar Fênix Negra para um nível mais intimista através de um tom melancólico, por fim, elas acabam por soar terrivelmente frustrantes e revelar a fragilidade do arco concebido por Kinberg. Em particular, os últimos 15 ou 20 minutos de filme deixam claros que o roteirista/diretor não fazia ideia de como finalizar seu projeto, tamanha a quantidade de incongruências e resoluções anticlimáticas enfiadas de qualquer jeito na trama.
Vuk, por exemplo, vai perdendo o status de vilã intrigante e enigmática conforme percebemos que trata-se apenas de uma personagem vazia, ao contrário da antagonista misteriosa que o filme obviamente pensa estar criando. Jessica Chastain faz um esforço honesto para conceber a alienígena com esse viés inquietante, mas é sabotada pelo roteiro, e assim, a fala monocórdica e pausada investida pela atriz só faz ressaltar a falta de personalidade de Vuk - isso sem contar a sua caracterização quase albina, que reforça ainda mais através da semiótica a imagem de uma folha em branco, sem conteúdo ou ideias. Ainda assim, isso é mais do que ganham o resto dos X-Men, que pouco têm o que fazer em cena a não ser ficar correndo de um lado para o outro. Até mesmo Mercúrio (Evan Peters), antes um dos maiores atrativos desse universo, surge como um coadjuvante apagado - lamentavelmente, o humor do personagem não encontra espaço no tom sombrio e apático do projeto.



Enquanto isso, James McAvoy é o único em cena que parece confortável com o seu personagem, delineando sua performance com menos da passionalidade e energia com que o vimos viver Xavier nos outros filmes. Isso, claro, remete ao fato de que ele está a apenas uma década de se tornar o personagem que conhecemos na pele de Patrick Stewart - ainda que tanto ele quanto Magneto (Michael Fassbender) sejam tratados como dois homens na casa dos 40 anos, no máximo, saltando por cima de carros e se metendo em batalhas com uma energia e vitalidade que é incoerente com as versões idosas que eles teriam de assumir em poucos anos, como aquelas que nos foram apresentadas em X-Men: o Filme.


E é o Magneto de Michael Fassbender quem realmente mais sofre enquanto personagem nas mãos de Kinberg. Se numa cena Erik conta porque abandonou o caminho da vingança e desistiu de matar outras pessoas por retaliação, na cena imediatamente após essa, ele se contradiz ao decidir matar uma pessoa por vingança. E essa nem é a pior parte, porque, afinal, quantas vezes Magneto vai ter que perder alguém de maneira trágica para ser colocado dentro da ação? Aliás, alguém lembra que o mutante perdeu sua esposa e filha há apenas um filme atrás? Porque ele não parece que lembra. Não há fotos na casa de Erik e nem mesmo menções de sua parte que indiquem que elas, um dia, existiram - salvo um colar de metal que, de vez em quando, é possível identificar no seu pescoço e que, imagino, seja o mesmo utilizado pelo personagem para vingá-las em X-Men: Apocalipse. Porém, isso tudo é uma hipótese.


O que Kinberg não percebe é que, ao repetir uma estratégia que já era fraca no filme anterior, ele enfraquece aquela decisão ainda mais. Sem contar que isso emburrece Magneto perante o espectador, pois indica que ele não amadureceu nada desde X-Men: Primeira Classe, quando já havia sido estabelecido de forma bem mais convincente uma motivação que poderia continuar sendo explorada (e como sempre foi) por todos os filmes, afinal, o cara passou a juventude toda nas mãos dos nazistas sendo torturado(!). E se antes ele era um antagonista ideológico de Xavier, agora esse Erik parece motivado apenas por vendetas pessoais, e cada vez que muda de lado, contra ou a favor dos X-Men, a sua antiga imagem de um estratégico e irascível guerrilheiro político enfraquece, até desbotar na de um vilãozinho mimado e meio inconsequente - o que também é agravado pelas escolhas normalmente acertadas de Michael Fassbender ao vivê-lo com intensidade.


E note que pouco ou nada tenho a dizer sobre o que oferece Sophie Turner como a protagonista e personagem título do filme, pois a jovem atriz, muito embora domine o centro da narrativa, ganha pouquíssimo espaço para trabalhar. Suas cenas giram em torno de colapsos e gestos de ação que resumem Jean Grey e a Fênix a uma figura unidimensional e meio caricata.


Falhando até mesmo ao explorar o visual e a musicalidade dos anos 1990, ao contrário dos seus predecessores, que conseguiram se aproveitar com maestria da estética dos anos 1960 (X-Men: Primeira Classe), dos anos 1970 (X-Men: Dias de um Futuro Esquecido) e dos anos 1980 (X-Men: Apocalipse), esse último e frustrante capítulo da saga dos X-Men ainda resolve encerrar tudo de forma covarde e sentimental, tentando forçar situações que, pela própria trajetória dos personagens, não soam verossímeis. Além disso, para um filme que tenta tanto ser feminista, é irônico que o roteiro consiga colocar todas as principais mulheres da trama umas contra as outras. E para finalizar a bagunça toda, se eu sempre defendi com unhas e dentes a cronologia dos filmes dos mutantes, alegando que, com um pouco de boa vontade, era possível conciliar tudo, agora me vejo de mãos atadas, pois Kinberg deliberadamente ignora alguns eventos que ele mesmo ajudou a escrever em Dias de um Futuro Esquecido - filme no qual, aliás, a franquia dos mutantes deveria ter colocado um ponto final nas aventuras desses heróis, que já foram os faróis contra a intolerância e desbravadores de um mercado desacreditado de personagens, mas que encontram aqui em Fênix Negra um epílogo agonizante e doloroso de assistir.

Nota: 3/10



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