quinta-feira, 19 de julho de 2018

10 ANOS DE BATMAN: O CAVALEIRO DAS TREVAS


Há 10 anos, um problema sem solução.


Completando hoje uma década de vida, a obra de Christopher e Jonathan Nolan é um problema que ainda não encontrou remédio. Ao mesmo tempo em que abriu novas possibilidades para os filmes de heróis, também representou o ápice dos mesmos. Os Logan, Vingadores e X-Men que me perdoem, mas O Cavaleiro das Trevas continua imbatível o melhor exemplar do gênero. E não, não é só por causa do Coringa.


Se Batman Begins era um blockbuster travestido com ares de sobriedade, O Cavaleiro das Trevas já adota uma carapuça completamente austera, violenta e melancólica. Não falamos mais de um filme de herói dentro dos parâmetros estabelecidos antes ou depois dele - mesmo O Cavaleiro das Trevas Ressurge, do próprio Nolan, iria se voltar a uma atmosfera mais épica e passional, concluindo uma trilogia que, apesar de coerente no estilo, é dividida em capítulos distintos em suas personalidades (o que, em última análise, é o que a torna tão instigante).

Claro que a força motriz do filme está no embate entre o herói e o vilão, mas principalmente porque esse duelo é ideológico. Pulando a visualidade mais óbvia de o Batman se vestir todo de preto e ser muito sério e introspectivo enquanto o Coringa é colorido e expansivo, temos que o nosso herói aqui é, como a maioria deles, musculoso e dono de uma roupa que salienta seu porte físico, além de uma máscara intimidadora. Embora sua presença física seja imponente e seu poder aquisitivo lhe dê equipamentos e veículos implacáveis, o seu inimigo é um homem comum, fraco e, pior do que isso, anônimo. Enquanto Bruce é nascido na riqueza e luta sozinho para combater o crime, o Coringa é um cidadão qualquer sem origem que levanta uma fortuna e faz aliados poderosos da noite para o dia. Não é uma briga que vai resolver suas diferenças, pois elas se dão na esfera política e da opinião pública.

O Batman percebe isso quando, auxiliado pela permissividade das forças coercitivas de Gotham, espanca o Coringa (então um prisioneiro desarmado) sem obter resultados. O vilão representa uma ideia, ele é a encarnação do livre arbítrio bruto, não moldado e sem correntes - não pode ser espancado até desistir. E uma vez que esse embate se dá muito mais num plano virtual, a força da narrativa de O Cavaleiro das Trevas se torna mais universal e muito menos restrita.

Quero dizer, a batalha dos Vingadores contra Thanos é dotada também de um viés ideológico, mas esse age em prol da ação - aqui é o contrário. A luta entre os supers da Marvel é importante para ELES, dentro daquele universo, e nos importa porque nos importamos com ELES. O Cavaleiro das Trevas nos relaciona com ideias mais do que com personagens - que são seus portadores e intermediários delas com o público. Por isso as frases do Coringa são mais pegajosas e "citáveis".

Disso resulta uma trama que inevitavelmente vai ser mais ideológica - mesmo que sem querer. Por exemplo, em 2008, muito antes de Snowden vazar os dados de vigilância da NSA, Lucius Fox (Morgan Freeman) já estava se colocando radicalmente contra o Batman hackear celulares civis - mesmo que o objetivo fosse encontrar um terrorista. Da mesma forma, o próprio Bruce Wayne já percebia que fazer justiça com as próprias mãos abria precedentes para que pessoas mais conservadoras pegassem em armas e usassem o seu exemplo como justificativa para aplicar o tal discurso do "bandido bom é bandido morto" (e toda a carga pró-armamentista que vem com ele) quando surgem os "mascarados", que usam fantasias de Batman e armas de fogo para combater o crime também. Um problema cuja solução ele visa, vejam só, num político que represente os ideais que o Batman já não representa mais - aqui o Morcegão é autor de abuso de força, de influência, de mercado e vigilância tecnológica. Batman, em 2008, estava na vanguarda dos anos 2010 pra cá.


Caramba, até a crise de imigração estava colocada de certa forma na personagem da Detetive Ramirez: "...eles me pegaram nas contas de hospital da minha mãe", ela tenta explicar a um furioso Harvey Dent (Aaron Eckhart), denotando as dificuldades de acesso ao auxílio público que a levaram a se corromper - o modo como o sistema nega aos imigrantes e seus vizinhos o auxílio básico, levando-os justamente a se tornarem parte do problema, foi pauta central, por exemplo, em Sicário: Terra de Ninguém (que só veio martelar isso em 2015).

Sim, à primeira vista O Cavaleiro das Trevas é um filme de ação com orçamento para ter todos os méritos técnicos - a trilha de Hans Zimmer e James Newton Howard é retumbante, e Heat Ledger ficou eternizado. Mas a força do projeto vem de um universo cheio de vida que somente um filme pensado com cuidado consegue angariar com o tempo. As revisitas pintam o Batman como um herói que age como vilão pensando estar na contra-mão destes, e pintam o Coringa como um vilão que aplica um niilismo destrutivo através de valores que o herói deveria estar defendendo.

A complexidade em tempos de crise social e política em Gotham não poderiam estar mais sintonizadas com o 2018 que vivemos hoje. Não quero que pensem que faço menos de todos os outros filmes de heróis feitos pós-2008, mas é notório que seja Marvel ou DC, seja tentando se alinhar ou fugindo completamente disso por não querer ser comparado, tudo que veio depois é consequência desse marco.

E arrisco a dizer que, nesses 10 anos, O Cavaleiro das Trevas não só se manteve o melhor filme do seu gênero, como também se agregou de valor e tornou-se um dos filmes que, no futuro, tem o que é preciso para disputar os primeiros lugares entre as obras mais influentes da história do Cinema.


Um comentário:

  1. Esse filme me surpreendeu pelo grande elenco que teve. Morgan Freeman é um dos meus favoritos. Sempre achei o seu trabalho excepcional, sempre demonstrou por que é considerado um grande ator. Também desfrutei do seu talento no filme de ação Apenas o Começo fez uma grande química com todo o elenco, vai além dos seus limites e se entrego ao personagem. É algo muito diferente ao que estávamos acostumados a ver.

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