Fernando Beretta del Corona é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, especialista em Televisão e Convergência Digital e mestre em Comunicação Social pela UNISINOS e já teve críticas publicadas pela Revista do Instituto Humanitas Unisinos - IHU. Trabalha com audiovisual em todas formas e funções.
Antes de mais nada, quero dizer que o que vocês vão ver está inserido no atual contexto social
Assim começa No. Filmado
em formato de vídeo que
imprime ar documental, os primeiros planos já o inserem visualmente na época em que se passa, 1988. Quem fala a frase é
o publicitário Reneé (Gael García Bernal), enquanto tenta vender para empresários desinteressados um comercial de
refrigerante. Mas o contexto social a que ele se refere se aplica também ao Brasil atual.
No ano em questão, o Chile passava por um momento único: após um golpe de estado que depôs o presidente Salvador Allende e colocou
no poder o ditador Augusto Pinochet 15 anos antes, uma pressão internacional
levara o governo militar a realizar um plebiscito para decidir se Pinochet
deveria continuar no governo por mais oito anos ou se deveriam ser realizadas
novas eleições.
De início, as reações
foram de suspeita. Os militares nunca deixariam que a oposição ganhasse. O medo
era que eleições fraudulentas fosse uma maneira de legitimar o governo militar
diante do cenário político
internacional. Além disso,
havia um medo real de que eles pudessem ganhar sem precisar de trapaças. Grande parte da população fora
convencida dos avanços que o
país tivera nos anos da ditadura,
e que “a parte ruim” –
que envolve inúmeros assassinatos, torturas e sequestros políticos – ficou para trás.
A proposta apresentada foi que cada perspectiva tivesse 15 minutos diários na televisão nacional durante pouco
menos de um mês para defender seu lado antes da votação.
Os lados ficaram definidos como Sim, para continuar o governo de Pinochet, e
Não, para convocar novas eleições.
Aí entra Reneé, que é convidado para dirigir a campanha do Não, enquanto
seu chefe em uma agência publicitária participa da campanha do Sim.
Resistente de início,
especialmente pelo medo do que a associação com “comunistas” poderia fazer para sua carreira, ele acaba aceitando.
Três décadas se passaram
desse plebiscito. No Brasil de 2018, as questões levantadas no filme surgem com
sinistra semelhança. Como um
sistema midiático pode
apresentar o fascismo de maneira palatável para o público? A
plataforma do Sim aponta para o crescimento econômico como prioridade, ignorando questões sociais
como secundárias para um país que se industrializou durante o período da ditadura, um discurso
assustadoramente parecido com o utilizado no cenário nacional ao defender os anos em que o Brasil
passou por uma ditadura militar. Para a oposição, resta se perguntar o que
seria mais importante: trabalhar na própria imagem, apresentar as vantagens de uma democracia, de um projeto de
governo honesto, ou confiar que a população vai ser convencida a votar contra os horrores da ditadura ao ser apresentada com os
fatos?
Reneé, enquanto publicitário,
acredita em vender o Não mais do que o Sim. Por isso, entra em choque ideológico com outros colegas de campanha. A
postura dele é colocada ainda
mais em questão a partir de sua relação com seu chefe. Nisso, o filme comenta a
frequente postura dita “apolítica” por trás desse tipo
de campanha publicitária – em
que a democracia é vendida e
apresentada como um produto. Alguém compara o primeiro esboço da campanha de Reneé a
uma propaganda da Coca-Cola.
Mas as pessoas compram Coca-Cola, não?
Tanto no Chile de 1988 quanto no
Brasil 2018, dois políticos
eram vendidos como figuras midiáticas – se não messiânicas – que se posicionavam contra os fantasmas da
esquerda, do comunismo e do socialismo. Também nos dois casos existia um medo constante de um
movimento para se deslegitimar eleições democráticas – um histórico presente no Brasil.
No é um filme assumidamente político. O lado mais humano da história se baseia em cenas da vida pessoal de
Reneé com seu filho Simón (Pascal Montero) e a mãe deste, Verónica (Antonia Zegers), uma ativista que
inicialmente debocha da escolha do publicitário por uma campanha enfatizando a alegria da
democracia ao invés de focar
no que a ditadura escondera da televisão por 15 anos. Para os poucos iniciados
nos detalhes da vida política
chilena, as questões são
simplificadas e a trama é focada.
O estilo de Larráin é baseado
em uma montagem desconjuntada que pode ser confusa no começo, mas que acaba por refletir o clima de
pressa e ansiedade que consumia as pessoas responsáveis por montar uma campanha publicitária que poderia definir o futuro de um país. O filme acabou por ser indicado ao
Oscar de melhor filme estrangeiro de 2013 e abriu espaço para Larraín dirigir outra obra que flertava com a política em uma abordagem mais humanizada em Jackie,
de 2016.
Aqui, ele questiona a ligação entre política e publicidade, medo e democracia, a
venda de um governo como produto e o poder de um país de se unir através de uma escolha. A escolha pode ser tão simples
quanto um Sim ou um Não, mas cabe ao povo fazer essa escolha. Cabe ao povo se
pronunciar com um Não para o fascismo, para tudo que vai contra os valores da
democracia. É uma ação, uma atitude, uma postura. Não.
-------------------------------------------------------------
Entenda o que é, porque existe e leia as outras edições do projeto O Cinema Diz: #EleNão, em que convidei várias pessoas para escolher e escrever sobre um filme que converse com a nossa situação política, no intuito de refletir e ilustrar os riscos que estamos correndo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário