segunda-feira, 15 de outubro de 2018

O CINEMA DIZ: #ELENÃO - Nº 8

Thais Furtado é Doutora em Comunicação e Informações e jornalista há mais de 30 anos, dos quais 10 trabalhou na revista VEJA. Foi coordenadora do curso de Jornalismo na Unisinos e hoje é professora no mesmo curso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).




O que te excita?
Existe algo mais poderoso do que o desejo? Quando desejamos alguém, por exemplo, nos sentimos vivos. Se queremos muito algo, a vida passa a ter mais sentido, ficamos ligados, tudo parece ser mais colorido e queremos que os outros sintam aquilo também. Mas a grande questão é: o que desejamos?



Quando o professor Merlí Bergeron (Francesc Orella) entra pela primeira vez em uma sala de aula do instituto Àngel Guimerà, deixa seus alunos confusos com o que propõe: “Eu quero que vocês se excitem com a filosofia”. Merlí quer contagiar adolescentes do Ensino Médio com o seu desejo de refletir e questionar sobre a vida. Mais: o professor afirma que para um sistema educacional tradicional não interessa que os alunos e alunas pensem sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Os desejos que interessam são só aqueles que o dinheiro pode comprar. Ele ensina que, para quem quer o poder, o questionamento dos outros é perigoso e a filosofia precisa ser enquadrada como algo que não serve pra nada.
A série catalã Merlí conta a história de um professor pouco tradicional, com comportamento às vezes até questionável, mas que quer que seus alunos e alunas, carinhosamente chamados por ele de peripatéticos, pensem por si mesmos. Cada episódio das três temporadas é baseado em um filósofo, e os conflitos típicos das escolas e da juventude – sexualidade, drogas, barreiras entre gerações, ansiedade, suicídio e por aí vai – são relacionados aos conceitos do pensador que é apresentado em sala de aula pelo professor.
Depois que a Netflix comprou os direitos de exibição dos 40 episódios criados por Héctor Lozano e dirigidos por Eduard Cortés, a série virou sucesso. O desejo de quem começa a assisti-la é não parar mais. Pelo menos foi assim para mim. O personagem de Merlí me instiga por ser fora dos padrões, por ser apaixonado pelo que faz e, muito provavelmente, por ser professor, como eu. Acho que, como ele, sempre me perguntei: é possível fazer os jovens desejarem conhecimento como desejam, por exemplo, um parceiro ou uma parceira? A reflexão pode ser excitante?
Acredito que sim, e é isso que me motiva na sala de aula. Quando alguém percebe o quão excitante é o aprender, o pensar, quando vê que é possível ser crítico, ele quer mais. Não aceita regras sem sentido. Quer gritar, quer lutar por uma ideia, quer saber outras coisas, de outras maneiras, quer duvidar, quer dividir. Enfim, ele se apaixona pela vida. Mas isso só acontece quando Merlís são possíveis. Em um país com regime autoritário, sem liberdade, sem informação, Merlís são torturados e mortos. Em um país que o contraditório é negado, que a diversidade é apontada como errada, que a voz é única e que os desejos passam a ser só aqueles que o dinheiro pode comprar, só alguns poucos compram, só alguns poucos dizem que sabem, só alguns poucos têm a solução mágica para tudo, só alguns se excitam. Eu não quero viver num país assim. E você? O que deseja?


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Entenda o que é, porque existe e leia as outras edições do projeto O Cinema Diz: #EleNãoem que convidei várias pessoas para escolher e escrever sobre um filme que converse com a nossa situação política, no intuito de refletir e ilustrar os riscos que estamos correndo.


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